sexta-feira, 26 de março de 2010

Quanto do Haiti há dentro de você?

A julgar pela falta de alardes da mídia massiva, o caso do terremoto do Haiti está finalizado. Contabilizaram-se mais de 220 mil mortos, uma enorme ajuda mundial e registros históricos de uma desgraça das grandes, que será lembrada em todos os livros. Desde 12 de janeiro, dia do tremor, eu venho acompanhando a cobertura jornalística, os esforços internacionais, a comoção e a disponibilidade que a maioria ainda tem de tentar fazer alguma coisa.

Hoje, mais de dois meses depois, o que restou do Haiti? O que restará deste Haiti destroçado nas memórias individuais das pessoas em todo mundo? O que tem ainda dos haitianos aí dentro de você?

Os corpos que estamparam muitas capas de revistas aqui no Brasil e por aí afora já devem ter tomado rumos; seja em valas comuns, mas com direito aos rituais de dança e ao choro dos familiares, ou lá mesmo, no meio da rua, onde ficaram depois do terremoto. Cedo ou tarde, as coisas vão se ajeitando, já comprovara o tempo. Algumas, aproveitando a metáfora, apodrecem.

Como sempre, eu me fixo no problema, porque creio que seja a forma de vislumbrar (ou não) a solução. Ou, que seja, para ter um sentido crítico ou menos conformista do que vejo. Pelas fotos que chegam até nós, qual a solução que você enxerga para aquele país?

Todas as vidas encontradas debaixo dos escombros foram solução. Cada indivíduo que foi, por livre vontade, àquele lugar destruído, foi solução. Eu, daqui deste lado egocêntrico, vi imagens lindamente tocantes em meio à dor. Acredito totalmente que sempre há uma forma de reconstruir as coisas – o primeiro passo é abrir bem os olhos e procurar.

No começo deste mês, o The New York Times veio com um editorial que começa falando sobre um menino haitiano e sua pipa. De uma sensibilidade peculiar, traz justamente esta forma humana de ver o mundo a qual me refiro – humana no melhor sentindo da palavra. Se todo mundo esbravejou a derrota, as mortes, a decomposição de Porto Príncipe, por que não voltaram todos lá com a mesma ânsia para registrar seus dias de tímida ressurreição? Quantos retornaram para relatar ao mundo que, embora ainda empoeirados, os haitianos vivem? Poucos, simplesmente porque é a desgraça que move o mundo.

Não quis criar aqui uma simples crítica, mas um desabafo. E não veio do nada, até por que eu já tinha pensado em organizar as ideias sobre este terremoto. Não estou lá pra ver e de nada me adiantaria reproduzir as coisas, então preciso seguir outra trilha, marginal, periférica, de observador.

Lendo sobre o julgamento do casal Nardoni, tentei encontrar matérias da época em que Isabela morreu. Na busca do Google, não acreditei quando vi alguém que oferecia “fotos do corpo da menina Isabela no IML”. Pior, outros entrando em contato, pedindo as tais fotos. Você imagina o porquê do sangue alheio encher nossa boca d’água, como uma ânsia antropofágica pela angústia do semelhante? Não é difícil perceber: observe o ranking das notícias mais acessadas de um site. A morte, o trágico e o bizarro sempre ocupam o topo da paradas, ao lado da pornografia, do erotismo ou qualquer outra “derivação” do sexo.

E quando acabar toda a comoção, até o último fio, quem estará pelo Haiti? Deus?

Por agora, eu deixo a reflexão. Seria muito feliz se nos ocupássemos de propagar o bom. Selecionei algumas coisas boas para nos ajudar a pensar, por hoje:










Os milagres, geralmente, estão ao alcance dos nossos olhos.

domingo, 21 de março de 2010

Radiola & vinil

No ano passado, ganhei um presente muito simpático da minha sogra que, sabendo que eu estava numa saga atrás de uma radiola, resolveu me presentear com uma. Então, no meu quarto, habita um modelo "moderno" da Sony que toca tocava, além de vinis, CDs e K7s. Montadinha, ela  deve ter um pouco mais de 1m. A relíquia foi adquirida numa feira de troca-troca lá em Teresina e foi cuidadosamente transportada até aqui.

Coisas de sogras.

Desde então, pude dar serventia a alguns vinis que já havia ganho e criei o arcaico hábito de garimpar outras bolachas por aí. Trouxe umas em excelente estado da última viagem ao Rio de Janeiro, em novembro passado. Sobre as aquisições, um dos amigos que viajava comigo disse: "tais comprando pra jogar fora, né?".

Vou abrir, a partir deste post, um espaço para registrar as relíquias (ou não) que compro e trago para compor a discografia da minha radiola.

Para começar, um dos meus preferidos: "Sambas de ouro", produzido, segundo registro da capa, em 1985. Este eu achei numa garimpagem que fiz com Bruno lá no sebo de vinis, perto da agência central dos Correios, na Guararapes, aqui no Recife. Me custou R$ 1.

As músicas são ótimas. Sambas de primeira qualidade de sambistas que entendem de tudo do gênero. Resolvi comprar quando vi que o lado B tinha "Conversa de botequim", de Noel, na voz de Dolores Duran. É uma beleza.

Destaco também "Falsa baiana", de Geraldo Pereira, aqui muito bem interpretada por Roberto Silva, e "Acertei no milhar", de Wilson Bastista e Geraldo Pereira, uma narrativa engraçada sobre o marido de Etelvina, que ganha no milhar, faz mil planos e, por fim, descobre que é tudo um sonho.


Dê toda roupa velha aos pobres/ E a mobília podemos quebrar
Etelvina, vai ter outra lua-de-mel/ Você vai ser madame, vai morar num grande hotel
(...)
E nossos filhos, heim?/ Ô, que inferno/ Eu vou pô-los num colégio interno
(...)
Mas de repente, mas de repente/ Etelvina me acordou/ Está na hora do batente


Ficha técnica
Sambas de ouro
Produtor fonográfico: Som Indústria e Comércio S.A. (Discos Copacabana)
Direção artística: Luiz Mocarzel
Técnico de corte: Sílvia Regina

LADO A
"Na cadência do samba"
Composição: Ataulfo Alves e Paulo Gesta
Intérprete: Elizeth Cardoso
Hã? (Sei que vou morrer/ Não sei o dia/ Levarei saudades da Maria/ Sei que vou morrer/ Não sei a hora/ Levarei saudades da Aurora/ Quero morrer numa batucada de bamba/ Na cadência bonita de um samba...)

"Meus tempos de criança"
Compositor e intéprete: Ataulfo Alves
Hã? (Eu daria tudo que eu tivesse/ Pra voltar aos dias de criança/ Eu não sei pra quê que a gente cresce/ Se não sai da gente esta lembrança...)

"Falsa baiana"
Compositor: Geraldo Pereira
Intéprete: Roberto Silva
Hã? (Baiana, que entra na roda/ Só fica parada/ Não canta, não samba, não bole nem nada/ Não sabe deixar a mocidade louca/ Baiana é aquela que entra no samba que qualquer maneira/ Que mexe, remexe, dá nó nas cadeiras/Deixando a mocidade com água na boca...)

"Na baixa do sapateiro"
Composição: Ary Barroso
Intérprete: Ângela Maria
Hã? (...Bahia que não me sai do pensamento, ai ai/ Leva o meu lamento...)

"Acertei no milhar"
Composição: Wilson Batista e Geraldo Pereira
Intérprete: Jorge Veiga
Hã? (Acertei no milhar/ Ganhei quinhentos conto/ Não vô mais trabalhar...)

"Quando vim de Minas"
Compositor e intérprete: Xangô da Mangueira
Hã? (Quando eu vim de Minas/ Trouxe ouro em pó, quando eu vim...)

LADO B
"Se acaso você chegasse"
Composição: Lupicínio Rodrigues
Intérprete: Ciro Monteiro
Hã? (Se acaso você chegasse/ No meu chatô e encontrasse/ Aquela mulher que você gostou/ Será que tinha coragem/ De trocar nossa amizade/ Por ela que já te abandonou?...)

"Pombo Correio"
Composição: Benedito Lacerda e Darcy de Oliveira
Intérprete: Gilberto Alves
Hã? (Soltei meu primeiro pombo correio/ Com uma carta para a mulher que me abandonou/ Soltei o segundo, o terceiro/ O meu pombal terminou/ Ela não veio e nem o pombo voltou...)

"Agradeço a Deus"
Composição: Mano Décio e Ivone Lara
Intéprete: Ivone Lara
Hã? (Pra você eu jurei/ Não amar mais ninguém/ Meu coração já cansou de sofrer/ É triste, é cruel a dor de uma paixão/ Cansei de ser escravo da desilusão/ Já não tenho prantos para derramar/ Da vida que levei não quero lembrar/ E hoje sou feliz, me reencontrei/ Vivo com alegria pois da nostalgia já me separei...)

"Falsa Patroa"
Composição: Geraldo Jacques e Isaías de Freitas
Intérprete: Jackson do Pandeiro
Hã? (Doutor delegado, eu não tive culpa/ Foi a sua criada quem me convidou/ Dizendo que o apartamento era dela/ Me pegou pelo braço para jantar com ela/ O senhor compreende/ A cabrocha é boa/ Eu fiquei iludido achando que ela era a patroa)

"Conversa de botequim"
Composição: Noel Rosa e Vadico
Intérprete: Dolores Duran
Hã? (Seu garçon faça o favor de me trazer depressa/ Uma boa média que não seja requentada/ Um pão bem quente com manteiga à beça, um guardanapo/ E um copo d'água bem gelada...)

"Leva meu samba"
Composição: Ataulfo Alves
Intérprete: Mariza
Hã? (Leva meu samba/ Meu mensageiro/ Esse recado/ Para meu amor primeiro...)

quinta-feira, 18 de março de 2010

A difícil arte do fim

Já me disseram que eu tenho uma dificuldade grande de pôr um ponto final nas coisas. Agora isso tá acontecendo com meus textos!

(Não, isso aqui não é um twitter, mas ficarei com poucas palavras)

Explicações do hiato

Estou numa dúvida cruel todos os dias porque a cabeça fervilha de opções para bons ou medianos temas para textos, que acabam só na intenção mesmo. Isso é péssimo, porque o espaço aqui fica desatualizado, parecendo abandonado. Mas não é, garanto.

Ontem mesmo, estava batendo texto, mas ele me pareceu tão inacabado que deixei para publica-lo hoje. Talvez mais tarde o faça.

Bem, mas agora à tarde, esperando passar os minutos finais do expediente, fui ver a coluna de Ivan Martins. Sobre ela, teria muito a dizer, mas deixarei apenas a dica. Pensamentos e conclusões ficam pra depois - quem sabe?

segunda-feira, 15 de março de 2010

Jefe, por qué no te callas?

“A greve de fome não pode ser utilizada como pretexto de direitos humanos para liberar as pessoas. Imagine se todos os bandidos presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade”.
Lula, sobre o dissidente cubano que começou uma greve de fome há cerca de 20 dias, pedindo a liberdade de 26 presos políticos cubanos doentes e em protesto pela morte do também preso político Orlando Tamayo, após uma greve de fome de quase três meses. 

quinta-feira, 4 de março de 2010

Estamos no caminho...

Estamos, alguns, na luta insistente de debater o ideal; mesmo sabendo que o embate será eterno. Sempre haverá o real para se sobressair ao pobre e raquítico idealismo e suas correções. Só não quero, mais tarde, ao olhar num espelho, perceber que o idealista de testa franzida e discursos firmes virou um conformista empoeirado e lacônico, daquele que repete, como um vinil velho: “é assim mesmo”. 

Abaixo, um texto assinado por Alberto Dines, que exerce o jornalismo há anos.


EDIR MACEDO
Bispo quer a carteirinha de jornalista

Por Alberto Dines em 2/3/2010

O bispo-empresário Edir Macedo insiste em ser jornalista. É dono de uma poderosa rede de TV, tem concessões para dezenas de emissoras de rádio, pode dizer o que quer, enganar, subtrair, distorcer, criar fatos e factóides. Mas não está satisfeito. Quer uma carteirinha de jornalista. Para atender suas angústias existenciais ou ganhar convite para as estréias de filmes.

Apelou para a justiça em 2001, conseguiu ser admitido como jornalista-colaborador e em agosto de 2009, depois de o Supremo Tribunal Federal acabar com a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo, entrou com uma ação no Tribunal Regional Federal da 2ª Região. O desembargador Fernando Marques o atendeu.

Errou o meritíssimo, data vênia: a entidade à qual Edir Macedo pretende associar-se (o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro) é composta exclusivamente por trabalhadores. Na condição de patrão, empregador – e aqui não vai nenhum juízo de valor –, Macedo não pode pretender a defesa dos interesses dos empregados. É incompatível.

Sindicato é, segundo o dicionário Houaiss, uma...

"...associação, para fins de estudo, defesa e coordenação de seus interesses econômicos e/ou profissionais, de todos os que (na qualidade de empregados, empregadores, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais) exerçam a mesma atividade ou atividades similares ou conexas."

Edir Macedo tem todo o direito de associar-se a um sindicato de empresas ou empresários. São seus iguais, conexos. Suas atividades e funções na Rede Record (ou em qualquer outro veículo do seu grupo) não são similares às dos demais funcionários. A começar pelo poder de admitir ou demitir que o colocam em posição desconexa frente aos demais companheiros.

Especificidade liquidada

Absorvido pelas novidades aportadas pela decisão do STF no tocante ao diploma, o magistrado passou ao largo dos condicionantes ontológicos e morfológicos de uma entidade sindical. A guilde francesa, guild inglesa ou gilde alemã eram corporações de artesões formadas na Idade Média, organicamente coesas e obrigatoriamente uniformes.

Segundo o mesmo Houaiss, corporação é um...

"...conjunto de pessoas que apresentam alguma afinidade profissional, de idéias etc., organizadas em uma associação e sujeitas ao mesmo estatuto ou regulamento... Organismo social que reúne os membros de uma mesma profissão".

A um comerciante de vinhos jamais ocorreria associar-se a uma corporação de vinhateiros. Um vende, o outro produz, ambos lidam com vinhos mas em diferentes posições do processo, com interesses divergentes.

Mesmo que Edir Macedo seja capaz de redigir corretamente um texto de 10 linhas como as centenas de jornalistas aos quais paga salários, o simples fato de ser o detentor de um meio de produção (e representar o capital), coloca-o em posição diametralmente oposta à daqueles que representam o trabalho. Não são categorias melhores ou piores – são diferentes, radicalmente diferentes.

Ao justificar a extinção da exigência do diploma, o ministro Gilmar Mendes do STF tentou ir além e liquidou a especificidade de uma profissão com registros históricos que remontam ao Império Romano. Agora, o egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região avança na dissolução de um sindicato e anula sua definição e função social.

Estamos no bom caminho...

terça-feira, 2 de março de 2010

Resultado da queda do diploma para jornalistas: começa a bandalheira

[Bom para aqueles que pensam que a nossa revolta é somente corporativismo]

Justiça concede carteira de jornalista para Edir Macedo 
Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro

Era só o que faltava! O desembargador Fernandes Marques, do Tribunal Regional Federal, determinou que o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio expeça Carteira de Identidade Profissional de Jornalista em nome do bispo Edir Macedo, líder espiritual da Igreja Universal do Reino de Deus.

A decisão do desembargador, proferida em 26 de agosto de 2009, atende a um recurso de apelação em mandado de segurança impetrado por Edir Macedo para tentar obter a carteira de jornalista, negado em sentença proferida, em primeira instância, em 13 de março de 2001, no mesmo ano em que o líder religioso encaminhou o pedido à Justiça.

Paralisado desde então, o mandado de segurança foi concedido integralmente no ano passado pelo Tribunal de Regional Federal, em segunda instância, baseado na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que em 17 de junho de 2009 extinguiu a obrigatoriedade de diploma de nível superior para o exercício da profissão de jornalista.

No esclarecimento que está encaminhando ao TRF, o advogado do Sindicato, Walter Monteiro, explica que existe uma série de exigências para serem cumpridas e que aguarda o pronunciamento do TRF para saber como proceder diante da decisão.

Explicações
O advogado lembra que o bispo Edir Macedo, quando impetrou o mandado de segurança em 2001, informou que possuía um registro especial de "jornalista colaborador", embora hoje não exista mais esta função nem a obrigação de diploma de nível superior para se exercer o jornalismo. Destaca, no entanto, que "não é verdade que o registro profissional tenha deixado de existir - até para continuar dando algum sentido à identificação do jornalista, como é a intenção do impetrante (Edir Macedo)".

Na opinião de Walter Monteiro, agora o bispo deve obter um registro de jornalista no Ministério do Trabalho e não apenas um registro especial de colaborador, “que era facultado aos não portadores de diploma antes da inconstitucionalidade da decretação desta exigência”.

No pedido de esclarecimento à Justiça, o advogado do Sindicato observa que a carteira é um documento legal de identidade, com validade de três anos, emitida em formato digital com um chip, além de assinalar que Edir Macedo precisa comparecer pessoalmente ao Sindicato, com fotos, RG e CPF.