Marcelo pensava sobre o amor, em um sábado à tarde. Chegando do plantão no jornal, esticou a rede na varanda, pôs Oswaldo na radiola e ficou balançando com a ponta do dedão esquerdo. Olhando pro teto, pensava na vida. Havia um projeto, uma causa, um motivo? Não tinha resposta. Tentou cochilar, não conseguiu. Pensou em levantar, a preguiça não deixou.
Deixou-se ficar mais um tempo no ócio. Aliás, ócio era uma coisa condenada internamente por ele. Marcelo exigia demais dele mesmo, tinha pouco tempo para o nada, mas acumulava tanta coisa que não fazia nada com a qualidade que desejava. Sandra, a do racha, reclamava o tempo todo da pilha de atividades que ele insistia em aumentar. Mas Marcelo só sabia viver assim, acelerado, movido à adrenalina do dead line, do prazo apertado, da vida que corre, que passa sem ser vista.
Na verdade, não era assim desde o início. Marcelo, quando interpelado por Sandra, confessava que era vagaroso, preguiçoso convicto, daqueles que dormem sem culpa por horas e derrubam o despertador num tapa. Embora lembrasse de cobranças paternas, que o crucificavam por sua preguiça como a Santa Inquisição aos pecadores, ele mantinha algo disso ainda em si. Juntando a aceleração das intenções ao ritmo lento das atitudes, adivinhe? Resultado quase sempre nulo. Planos demais, ideias demais para resultados de menos. Protelar era seu hábito.
Terminou o sábado no cinema, sozinho, como era de seu feitio. Marcelo aprendeu a não depender dos outros e obrigava a si a condição de autossuficiente. Era uma independência patológica. Na fila, com ingresso em uma mão e um saco de pipocas na outra, pensava nisso: em como a vida o ensinou a lição de ser sozinho. Lembrou de quando ficou horas debaixo do chuveiro frio, com febre, querendo evitar pedir remédio à avó. Lembrou de quando andava quilômetros de casa para o cursinho, simplesmente para não pedir ao pai que lhe cedesse passagem. Mas a vida até ali o guiava assim. Talvez fosse um caminho sem volta.
Sozinho, ele chamava atenção dos casais por perto. As pessoas criaram uma mística sobre isso. Ir sozinho ao cinema é a materialização pública da solidão que ninguém quer admitir que tem. Nas duas ou três primeiras vezes, ele até sentiu uma dorzinha entre o coração e o estômago, uma angústia de não saber onde pôr as mãos, mas conseguiu domar a si mesmo. A partir dali, ia sem muita dor.
Sim, mas naquela tarde, ele ainda pensava sobre o amor.
continua (...)