Marcelo era um perdido. Continuava a ser, como nunca. Perdia a chave todo dia pela manhã, perdia a hora sempre e, vez por outra, queria perder o juízo. Esquecer o bom senso não era bem seu forte e, exato por isso, não se considerava alguém que merecesse mesmo confiança. "Imagine quando chegar o surto? Mato alguém", refletia, sem querer, vez por outra, geralmente antes de dormir.
Dormia tarde, invariavelmente, por mais que houvesse sono. Talvez por castigo.
Vivia o dilema do vazio. Tinha a cabeça cheia, a agenda abarrotada, planos mil e reflexo zero. De um tempo pra cá, pouca coisa o inspirava. Depois de Sandra, abandonara o desejo por filhos (talvez uma maneira certa, mas pouco certeira, de propagar a si mesmo); depois do domingo, queria deixar de viver alguns instantes, mas não chegava a ser um suicida. Ainda assim, pendia para o pessimismo, mas nem mesmo a sua depressão era constante. Que fosse.
Se fosse mulher, por certo teria menstruação irregular, TPMs periódicas e perigosas e um latente ímpeto pelo crime passional. "Matar por amor" - ele pensava - "é das coisas mais femininas que existe". Toda mulher mata, raciocinava ele. Se não tem coragem de puxar o gatilho por amor ao falo, mata a si mesma: por paranoia, de ciúmes, de fraqueza, excesso de si ou falta de amor próprio.
E se morre mesmo disso.
[continua...]