quarta-feira, 30 de abril de 2008
A justificatica da grandeZa
Deve ser, realmente, muito chato procurar algo que preste para ler na internet e se deparar com a mesma coisa postada há meses. Como li num livro infame, ao qual não titularei nesse post, meus poucos leitores, ao acessar essa página, ouvem um silêncio fúnebre e:
- Cri, cri, cri (como grilos).
Não que eu goste de plágiar idéias, boas ou péssimas (como esta acima), mas esta me pareceu encaixar bem neste caso.
Sim, mas antes que eu fuja ao tema, como é costumeiro, deixe-me registrar os porquês do abandono do recinto. Além da monografia (não, não a postarei aqui como faço com algumas matérias que escrevo pro jornal), não tem muito graça fazer em casa, nas horas de descanso, o que eu passo o dia fazendo no trabalho.
Neste momento, vejo que isso não justificaria, já que muitos e muitos jornalistas alimentam seus blogs de forma decente e estes pensamentos aqui andam vazios, ocos. Nem é por falta de imaginação, nem de tempo... Aliás, passo o dia podando pensamentos no jornal e muitos deles renderiam posts fantásticos como alguns de tempos atrás.
Já me chamaram de vendida, mas eu discordo. Nesse momento mesmo, estou bolando justificativas e as idéias vão falhando. Aí eu penso se devo mesmo postar isso ou deixar pra outro dia, quando tiver alguma boa idéia.
er...
Sim! Ontem aconteceu uma coisa interessante (pelo menos pra mim). Coloquei meu nome no Google para ver por onde ele anda. Pois saibam que virei link em blogs de terceiros (Blog da Tatiana Notaro) e comentário: uma pessoa postou uma matéria minha em seu blog, elogiou o texto e falou que ignorou "erros de pontuação". Céus!!! Erros de pontuação? Ondeeee?
É bem provável, mas justificável. Sabe quando você faz tanto uma coisa que ela sai no automático e quando você pára para racionalizar, nem sabe mais o que está fazendo? Sabe? Que ótimo... você me entende, então, quando eu leio e releio a mesma frase 20 vezes sem saber exatamente onde pôr a vírgula. Oras, vírgulas são indispensáveis para a boa compreensão da frase. Uma delas no lugar errado acaba com o sentido da oração e o juízo do autor do erro.
Olhe... o que eu já recebi de e-mails reclamando de erros não é brincadeira....
Ótimo, vou usar esse espaço para desabafar.
Eu sempre faço o possível para que TODAS as minhas matérias sejam entendidas, e bem entendidas, por TODO tipo de gente. Este post, por exemplo, se encaixa bem no tipo de texto que eu costumo fazer (a carpintaria do texto, como li certa vez). Pois bem. Lá estou eu escrevendo uma matéria sobre um bailarino que vinha ao Recife fazer uma apresentação SOLO de DANÇA CONTEMPORÂNEA. No espetáculo, ele ia dançar no marco zero da cidade, sobre um tapete...
Você já viu uma apresentação de dança contemporânea? É uma aula de contorcionismo (pelo menos pra mim, que sou uma reles leiga)... Então, imagine você conseguir transcrever o abstrato pro papel, delirando junto com o autor daquela coreografia?
Voltando pro texto. No dia seguinte ao da publicação da matéria, recebi um e-mail desaforado perguntando "por qual cartilha" eu escrevia, já que minha matéria trazia que o bailarino em questão era um "profissional de primeira grandeSa" (é, com S). Agora, você... olhe pro seu teclado e veja que S e Z são quase letras vizinhas. Eu aprendi em 89 que grandeZa é com Z, mas digitei errado, oras!!!!
Eu posso continuar não sabendo bulhufas sobre dança contemporânea, seus nudismos e movimentos. Vou continuar desconfiando que aqueles bailarinos fazem movimentos aleatórios, mas nunca mais eu esqueço da grandeZa!.
Hunf!
domingo, 6 de abril de 2008
CAZUZA - Especial 50 anos
Cazuza, que viveu a vida em toda a sua intensidade e não temeu correr riscos, completaria, amanhã (4 de abril), 50 anos
Tatiana Notaro (com a paciência, pitacos e madrugadas de Tacyana Viard)
“Nasci no Rio de Janeiro/ Fruto do amor verdadeiro/ De uma cristã e um cristão/ (...) Fui na infância um cordeiro/ Até descobrir no banheiro/ Que eu tava na contramão/ Daí sartei fora sem freio/ Me estrepo mas tô sempre inteiro/ E sou bem feliz, meu irmão!”. Com estes versos, Cazuza descrevia sua vida que chegaria aos 50 anos, no dia 4 de abril de 2008. Da trajetória de 32 anos, dedicou oito aos berros do seu rock’n roll, depois acalmados pela fase bossa nova e samba. “Conquistei a vida de um ano pra cá e quero passar isso pras pessoas. Isso é uma coisa meio cristã. Você repassa aquele amor que armazenou e as pessoas adoram”, dizia em 1990, ano em que morreu (no dia 7 de julho), vítima de aids. No dia 1º de maio, na Praia de Copacabana, um show em sua homenagem leva Sandra de Sá, Lobão e Roberto Frejat ao palco. Outros amigos, como Caetano Veloso, ainda estão sendo cogitados para a apresentação. Um DVD, com clipes e entrevistas do cantor, também será lançado, mas ainda sem data.
Boletim do Colégio Santo Inácio - SVC
Cazuza conheceu os meninos do Barão Vermelho através do cantor Leo Jaime, primeiro cogitado para assumir os vocais da banda. Na época, o grupo se resumia ao som de garagem da guitarra de Frejat, do baterista Guto Goffi, do tecladista Maurício Barros e do baixista Dé Palmeira. Taxada como “banda maldita” pela mídia especializada da época, o Barão não tinha suas músicas tocadas nas rádios, mesmo depois de lançar os dois primeiros LPs. “Nossas músicas tinham letras que se destacavam pelo teor poético e selvagem, embaladas com um som cru, que ignorava as tendências da época”, disse Maurício Barros, em entrevista por e-mail ao Jornal do Commercio. O primeiro empurrão foi de Caetano, que cantou, na casa de shows carioca Canecão, em junho de 1983, "Todo amor que houver nessa vida". Depois, Ney Matogrosso gravou aquela que seria uma das músicas mais famosas da dupla Cazuza/Frejat: "Pro dia nascer feliz".
Cazuza gravou quatro álbuns com o Barão Vermelho e cinco solos. Após sua morte, foi lançado "Por aí", de 1991. Em vida, colecionou amigos apaixonados por sua memória. “Este ano, no Expresso 2222, trio do Gilberto Gil em Salvador, cantei 'Pro dia nascer feliz' e o público amou!”, disse, em entrevista ao JC, a cantora, amiga e comadre de Cazuza, Sandra de Sá. Outra fã apaixonada foi a cantora Cássia Eller, que em 1997, gravou "Veneno antimonotonia", com 14 músicas do compositor. Bom lembrar que "Malandragem", grande sucesso da carreira de Cássia, foi composta por Cazuza e Frejat.
No cinema, Cazuza atuou em dois filmes: "Bete Balanço" (de Lael Rodrigues, em 1984, para o qual compôs a famosa faixa de mesmo nome) e "Um trem para as estrelas" (de Cacá Diegues, em 1987). Neste, assina a faixa-título da trilha. “Foi minha primeira parceria com o Gilberto Gil, que é uma coisa da qual eu me orgulho muito, porque o Gil é meu guru. Eu tremia na base na hora que eu fui levar a letra pra ele, super envergonhado, mas ele adorou e fez uma música linda”, disse na época. A música "Brasil" foi feita para a trilha sonora do filme "Rádio Brasil", também de Lael.
Quando descobriu a aids, Cazuza estava às vésperas de lançar seu segundo álbum solo, "Só se for a dois", em 1987. À medida que a doença se manifestava, afetando-o visivelmente, Cazuza acelerava na composição das suas músicas. “É a minha criatividade que me mantém vivo. Meu médico diz que eu sou um milagre, porque tenho tanta energia, tanta vontade de criar”, dizia. Cazuza deixou 220 canções. Hoje, a renda dos seus direitos autoriais é revertida para a Sociedade Viva Cazuza (SVC), fundada por Lucinha Araujo, que cuida de crianças portadoras do HIV, no Rio.
Um amor correspondido
Mural de fotos do quarto de Cazuza, ainda hoje preservado na SVC
Cazuza cantou de 82 a 85 no Barão Vermelho, lançando "Barão Vermelho", "Barão Vermelho 2", o single de "Bete Balanço", "Maior abandonado" e "Barão Vermelho ao vivo" (registro do Rock in Rio 85, relançado no ano passado em CD e DVD). “O grupo ficou fragilizado com a saída de Cazuza, mas sabíamos que ainda tínhamos o que mostrar. O primeiro disco sem Cazuza foi 'Declare guerra', no qual, na música homônima, o refrão desabafava 'declare guerra a quem finge te amar/ chega de passar a mão na cabeça de quem te sacaneia'", disse o tecladista Maurício Barros, em entrevista ao JC.
Cazuza com Roberto Frejat e Sandra de Sá
Das amizade fortes, uma era com a cantora Sandra de Sá. “Tenho duas lembranças bem fortes do Cazuza. A primeira, eu estava grávida de três meses. Estávamos bebendo, eu estava com um copo de uísque. Quando ele viu, me deu uma bronca – ‘sua irresponsável, eu não quero que o meu afilhado seja um louco antes de nascer’ (risos) – e tomou o copo. A outra é a imagem dele no batizado do meu filho: estava todo de branco, com uma vela na mão... Ele é o meu melhor amigo até hoje”, relembra, emocionada, a cantora. Hoje, o afilhado de Cazuza, Jorge, tem 23 anos e é fã do padrinho, segundo Sandra. (T.N.)
Filme "Cazuza – O tempo não pára" apresentou o cantor para um público mais jovem que não o viu ao vivo, mas virou fã de sua ideologia
"Cazuza – O tempo não pára" foi uns dos maiores sucessos do ano de 2004 no cinema. O filme apresentou o poeta exagerado a um jovem público que o acolheu como novo ídolo. O roteiro foi baseado no livro de Lucinha Araujo, que foi narrado à jornalista Regina Echeverria (a mesma de "Furacão Elis"). “Achei que o filme mostrou muito só o lado louco dele, e ninguém é uma coisa só”, disse Lucinha sobre o filme, que revelou o ator Daniel Oliveira, intérprete de Cazuza e vencedor de vários prêmios.
Lucinha pode discordar da abordagem, mas não pode negar que o filme popularizou Cazuza entre os jovens de uma geração que não o viu cantar, mas que se identificou com esse “falso” espírito transgressor. Um bom exemplo disso são as comunidades sobre o cantor no Orkut – são cerca de 1.000, com os mais variados temas – desde a “oficial”, que conta quase 400 mil membros, até as que levam nomes inusitados como “Cazuza, volta pra cá agora”, “Cazuza é meu psicólogo”, “Minha ideologia? Cazuza!” e “Deus, ressuscita Cazuza, por favor”.
“Quando Cazuza morreu, eu tinha dez anos, mas já gostava de várias músicas dele”, conta o advogado Alberto Freire, de 28 anos. “Já assisti ao filme três vezes e gostei muito. Retratou fielmente o que foi a vida de Cazuza, um cara gênio mais também um louco”. Já Ana Maria de Queiroz, advogada de 24 anos, é fã por influência. “Eu descobri o Cajú ainda na década de 90, apesar de ser muito nova para ouvir suas músicas. Minha irmã, oito anos mais velha, já era sua fã, então, cresci ouvindo os clássicos do Agenor”.
Em 24 de janeiro de 1989, Cazuza fazia, aqui no Recife, a última apresentação da sua vida. No Centro de Convenções de Pernambuco, de acordo com matéria publicada no JC, o cantor travou uma batalha com a platéia. “Após duas músicas, iniciou um estranho monólogo em inglês, sendo recebido com apupos (vaias) pelo público. ‘Show é troca. Se vocês não me dão nada de volta, não terão nada também’, disse Cazuza, para receber uma estrondosa vaia”, registrou o jornalista Lúcio Flávio Regueira. “Em seguida, Cazuza passou a sussurrar algumas canções, deixando frustrados seus fãs, que ainda tentaram sufocar as vaias, ajudando ele a cantar”, escreveu o jornalista.
Essa história sob o ponto de vista de um fã, muda de versão. “Sempre fui fã de Cazuza, desde a época do Barão Vermelho. Os ingressos para aquele show era caros, teria que juntar dois meses de salário para conseguir ir”, relembra o comerciante Bruno Moutinho, de 38 anos. “Ganhei o ingresso num sorteio de uma rádio. O show foi emocionante. Em vários momentos, Cazuza parava de cantar para respirar, visivelmente cansado. Aí o pessoal aplaudia e tinha muita gente chorando também. Acho que nenhum dos fãs ali se sentiu agredido. Eu, pelo menos, adorei o show”, relembra o Bruno, que na época tinha 22 anos. (T.N.)
***************************************** ENTREVISTAS:
(1) Ezequiel Neves - publicada no JC
"Cazuza é a ausência mais presente na minha vida"
Até hoje, Zeca trabalha com os meninos do Barão, atualmente fazendo trabalhos individuais, e se formos comparar os relatos sobre ele, datados daquela época, o produtor musical e jornalista continua o mesmo maluco, amante da boemia, das artes (como ele mesmo se declara) e das drogas ("das boas!"). Sua amizade quase siamesa com Cazuza entrelaça as vidas dos dois - então há jeito de falar do poeta exagerado sem juntar-se para um papo ao seu fiel companheiro (de noitadas no Baixo Leblon ao dia do resultado do teste da aids). Entusiasmado com a idéia de relembrar seu "neto", Ezequiel Neves concedeu uma entrevista ao JC.
Jornal do Commercio – Você lembra quando conheceu Cazuza e como foi o começo da história dele na música?
Ezequiel Neves – Conheci Cazuza antes dele virar cantor. O conheci como boêmio, em 1979... a gente papeava. Eu sempre fui boêmio, ele também, e ficamos amigos instantaneamente. Eu nunca soube que ele escrevia, nessa época. Cazuza tentou muitas coisas até chegar à música, mas não era a dele. Quando eu roubei a fita demo do Barão Vermelho achei aquela banda maravilhosamente underground, diferente. Soube que era o Cazuza quem cantava ali e liguei para Lucinha (Araujo, mãe do cantor, a quem Zeca já conhecia), e disse "ouvi uma fita da banda do seu filho. Quem faz aquelas letras?. Aí ela me repondeu: "é o Cazuza". "Pois se prepare, porque seu filho é absolutamente genial!" (gargalhas).
JC – Isso foi quando, exatamente?
ZECA – Faz as contas aí... Eu tinha uns 47 anos. Ele devia ter uns 24, era o mais velho dos barões, e tinha ódio disso (risos).
JC – A sua posição foi a mais incômoda quando Cazuza resolveu sair do Barão. Por que você assumiu os dois?
ZECA – Olha, quando Cazuza me disse que ia sair da banda, eu disse a ele que era a maior bobagem esse negócio de querer virar patrão dele mesmo, sabe? O Barão sempre foi uma excelente moldura pra ele, a luz maior era pra ele, que também era letrista e cantor... não tinha motivo. Quando eu disse ao Cazuza que ia cuidar dois dois, ele me disse que eu fazia muito bem. Eu fui "salomônico" (risos).
JC – Lucinha contou no livro "Cazuza - só as mães são felizes", que era você quem estava com Cazuza no dia em que ele soube que estava com aids. Como foi esse dia?
ZECA – Nossa, foi muito difícil. Primeiro porque eu já sabia. O médico, ao invés de contar direto para o Cazuza, contou primeiro ao João (pai do cantor) e à Lucinha e os dois me contaram. Achei aquilo erradíssimo! Até porque ficamos os três o tempo todo regulando ele, "não beba tanto" e tal. Bem, mas naquele dia, ele insistiu para que eu fosse, mas me deixou na sala de espera do consultório. Quando saiu, foi logo dizendo "estou, estou, estou"... Aí a gente foi para Ipanema, era umas 19h. Ele estava desesperado! Eu tentei acalmá-lo, dizendo que tinham outros médicos e que ele não era promíscuo, então não tinha como estar contamidado.
JC – Era a época do "Só se for a dois"?
ZECA – Sim, ele ia estrear o segundo álbum solo, "Só se for a dois". Naquele dia a gente tinha um ensaio desse show, mas ele não quis ir. Disse que ia pra onde tudo havia começado, e foi pra casa dos pais.
ZECA – (risos) Cazuza foi internado com uma "baronite aguda", porque estava com febres altíssimas e queimou um baseado. Foi neste hospital onde a gente compôs "Codinome" e a letra fala de uma imagem de alguém, mas não alguém específico. Fizemos umas mudanças porque eu achava a letra abstrata demais. Há umas sacadas geniais dele, como aquela história de "terceiras intenções". Mas é isso, não foi pra ninguém não.
ZECA – Foi em 87 e ninguém sabia do que se tratava. (pausa) Olhe... a morte é insubornável! Os pais dele fizeram de tudo para salvá-lo! Os exames desta internação deram negativos à contaminação por HIV. (pausa) Em 79, 80, a aids era chamada de "câncer gay", não se sabia nada sobre ela.
JC – O quê você lembra sobre a fase da doença de Cazuza?
ZECA – Foi uma coisa horrorosa. Eu estava brigado com Lucinha e João e Cazuza exigia a minha presença. Foi um calvário, eu não sei como sobrevivi. A primeira vez que ele tomou o AZT teve efeitos colaterais horríveis, porque essa é uma droga fortíssima. A Lucinha sempre foi muito cuidadosa com Cazuza, então distribuiu compridos de AZT com os amigos mais próximos. (pausa) Eu moro em frente a uma favela ótima (a Pavão Pavãozinho, no Rio) e uma vez tava tendo batida policial lá e eu não tive como entrar para comprar pó. Então cheirei AZT e fiquei louco... (risos) Era muito forte aquilo...
JC – Qual foi a última vez em que você viu o Cazuza?
ZECA – Foi na véspera da morte dele. O achei muito ausente... (pausa) Saí da casa dele naquele dia, fui pra minha casa e cheirei muito. Me contaram que foi a Lucinha quem me ligou no dia seguinte, me avisando que ele tinha morrido, mas eu não lembro. Sei que caí no apartamento e acordei com a Dulce Quental, o Nilo Romero e o Frejat, que tinham arrombado a porta. Pus uma camisa que o Cazuza tinha me dado e fui pro velório. Não me lembro de nada... só de ver pessoas chegando. Você quer uma frase bonita pra colocar ai? O Cazuza é a ausência mais presente na minha vida!
ZECA – Túmulo é uma coisa muito forte, sabe? Principalmente pro Cazuza, que era muito livre. Mas eu vou lá, levo flores, acendo um cigarro Hollywood e coloco em cima do túmulo... ele fuma todinho (risos).
JC – Como seria a relação do Zeca aos 70 com o Cazuza aos 50?
ZECA – A gente já teria brigado umas 500 vezes, mas isso não é palpável. Não quero luzes, quero mágica! Não sei o que seria, sei que ele não está mais aqui... (pausa) Hoje eu estava ouvindo o primeiro álbum solo dele ("Exagerado", de 1985). É tão diferente de tudo, sabe? Não sei se é melhor, mas é maravilhosamente diferente...
JC – E as comemorações pelos 50 anos dele?
ZECA – A Lucinha sempre manda rezar uma missa. De lá, vamos para a Pizzaria Guanabara, no Leblon... com ele, viu? Por que eu vou levar um pôster enorme do Cazuza! (risos) Me lembrei de quando eu fiz 49 anos. O Cazuza fez uma festa e disse a todo mundo que eu estava fazendo 50 anos, aí quando foi no ano seguinte, realmente meus 50, o pessoal falava: "de novo?". (risos)
Como você conheceu Cazuza?
Naquele tempo, todo mundo se encontrava e se via no Baixo Leblon.
Como era a relação entre vocês?
O Cazuza sempre me visitava. A noite começava no Baixo, bebendo e escrevendo futuras letras de música nos guardanapos, perambulávamos vagando por cada mesa cheios de idéias fantásticas para o mundo, para o Brasil... Para ser livre, ou, ao menos, nos reconhecermos de alguma forma! Depois, se a gente não ficasse lá até o último freguês, prá pagar a conta tocando Dolores Duran no piano bar, quem tivesse por perto ia em caravana prá minha casa. Aí a gente começava uma música nova, ou um conceito mirabolante para transmutar nossa insatisfatória existência em poesia.
De todas as composições em parceira com Cazuza, qual delas você destacaria e por qual motivo?
A primeira, "Mal Nenhum", uma espécie de manifesto da nossa maneira de ser e de viver... De quanto nós nos achávamos deslocados naquele espaço, naquele tempo. E a última, "Azul e Amarelo", que é a canção de despedida da vida dele. Ele me veio visitar, já muito combalido, sem poder mais andar (ele se deslocava no colo de Bené, uma querida criatura enorme que ia pra todos os lugares com ele). Chegou cheio de papéis de letras debaixo do braço, colocou o calhamaço na mesa de vidro que havia na varanda e começou a folheá-los tentando encontrar alguma coisa para ser trabalhar. Ele estava cada vez mais excêntrico e brincava com seu mau humor. Apanhou uma dessas letras e me disse: "Essa parceria voce não entra porque eu fiz com o Cartola e ele se chama Agenor (na verdade, Angenor) assim com também me chamo Agenor, então voce tá fora! Só entra com uma forte coisa em comum com algo extraordinário!" E aí eu respondi: "Ok, mas se é prá ter algum vículo dessa natureza com o Cartola, sem problema, porque eu faço aniversário no mesmo dia que ele. Serve?!!" Daí ele coçou a cabeça, pensou e decidiu... "Ok, sendo assim voce pode entrar na parceria".
O Cazuza conseguiu ficar mais escrachado, mais profundo, mais denso e mais agressivo com tudo aquilo. Ele se permitiu tornar-se uma criatura muito, mas muito excêntrica. Podia, queria e devia vomitar tudo que tinha na alma. Achava que tinha esse direito, e tinha mesmo.
Como chegou pra você a notícia da doença dele?
Praticamente na mesma semana em que ele soube que estava com a doença.
De quem é a "Vida louca vida" sobre a qual você se refere na música (muitas pessoas pensam que essa música foi composta pelo Cazuza)?
Apesar da letra ser do Bernardo, ela falava sobre as perseguições que eu estava sofrendo na época. Falava sobre a imprensa que não parava de especular sobre minha personalidade ("tô carente, sou manchete popular") como se eu fosse um marciano. Eu fiz a música e dei um arremate na forma do que seria o refrão. Quando o Cazuza se apropriou da música ela se expandiui no seu significado, tornando-se, a partir de então, algo dele, pessoal e intransferível e isso foi muito emocionante pra mim.
Cazuza faria 50 anos no próximo 4 de abril. Como você imagina que ele seria aos 50? Alguma semelhança com este Lobão de 50 anos?
Cazuza estava em pleno crescimento artístico. A gente tinha que sair daquele escárnio que faziam do nosso trabalho, que era um tremendo fardo para se livrar. Nós sabíamos que aquilo era um incipiente começo, que estávamos desbravando territórios sem tradição de aprendizado e que a ordem natural seria o florescimento e o crescimento da nossa verve. Ele estaria fazendo coisas lindas, inspiradas e profundas. Assim como eu, ele nem sequer havia começado (o melhor estava ainda por vir) e isso é muito cruel... me dói o coração imaginar a cratera vazia que é a sua ausência para a cultura musical brasileira.
Daqui a 50 anos, como será vista a obra de compositores como vocês?
(3) Sandra de Sá - Inédita na íntegra (na foto, Sandra e o filho, Jorge, afilhado de Cazuza)
Como você conheceu Cazuza?
Conheci através da mãe dele. Lucinha falava demais dele, que na época morava em Nova Iorque. Na época, ela ia gravar um disco e fui mostrar uma música pra ela. A gente se encontrou numa gafieira no Rio... e foi uma paixão à primeira vista.
Chegaram a compor juntos?
Ele participou da gravação da faixa de um LP meu, gravamos um clipe juntos, que até foi ao ar no Fantástico, mas a gente não chegou a compor juntos. Engraçado isso... acho que talvez tenhamos rabiscado alguma coisa, mas se perdeu por aí.
Como era dividir o palco com ele?
Várias vezes, todas muito especiais. A primeira vez que o Barão cantou para um grande público foi no Morro da Urca (Rio), abrindo um show meu. Também cantamos juntos no especial da Globo, cantamos "Blues da piedade". Essa música, até hoje, eu canto no meu repertório.
Há mais músicas dele no seu repertório?
Canto muito ele. Gravei também para um disco comemorativo dele. Por sinal, este ano, no trio Expresso 2222, do Gilberto Gil, eu cantei "Pro dia nascer feliz" e o público amou! Canto "Ideologia" também...
Tem lembranças marcantes dele?
Tenho duas lembranças bem fortes do Cazuza. A primeira, eu estava grávida de três meses. Estávamos bebendo, eu estava com um como de uísque na mão. Quando ele viu, me deu uma bronca – “sua irresponsável, eu não quero que o meu afilhado seja um louco antes de nascer” (risos) – e tomou o copo da minha mão. (Cazuza era padrinho do filho de Sandra, Jorge, hoje com 23 anos). A outra é a imagem dele no batizado do meu filho: estava todo de branco, com uma vela na mão... (pausa) Ele é o meu melhor amigo até hoje!
Como você soube da doença?
Ele estava tentando me falar, mas eu não entendia... não queria me dizer diretamente. Um dia, estávamos juntos e outra pessoa, que não lembro que foi, falou da doença.. e ele me olhou. Depois, nunca mais comentamos... (pausa) Eu fui muito covarde. Ele me conhecia tanto, acho que o silêncio dele foi por isso. Teve uma vez, ele já bem doente e sem andar, que fui visita-lo. Cheguei perto dele e ele me disse no ouvido: filha da puta covarde, nem vem me visitar...
Como soube da morte de Cazuza?
Estava em casa, acordando... uma coisa assim. Não me lembro bem. Só sei que xinguei muito (emociona-se).
E Cazuza aos 50? Como seria?
Ele ia ter muito orgulho do afilhado dele, que apesar de ser bem pequeno quando Cazuza morreu, é alucinado por ele...
(4) Maurício Barros - Inédita na íntegra (na foto, Maurício, com Roberto Frejat e Cazuza)
O que representava Cazuza para o Barão nos anos 80?
Muito, é claro. Além de cantor e letrista, ele era a cara do grupo para o grande público.Tinha muita personalidade e um grande carisma, dentro e fora do palco.
Como você avalia a contribuição de vocês para o rock brasileiro?
As músicas do grupo tinham letras diferenciadas que se destacavam pelo teor poético e selvagem, embaladas com um som cru, que ignorava as tendências da época.
Como foi o primeiro trabalho do Barão sem Cazuza?
Foi complicado, o grupo estava fragilizado com sua saída, mas ao mesmo tempo sabíamos que ainda tínhamos o que mostrar. O primeiro disco sem Cazuza foi "Declare Guerra", no qual, na música homônima, o refrão desabafava ... "declare guerra a quem finge te amar/ chega de passar a mão na cabeça de quem te sacaneia"...
Tem como separar Barão (pós-Cazuza) e o Cazuza?
Acho que sim, cada um foi pro seu lado, e graças a Deus, ambos foram bem sucedidos. O grupo conquistou um novo público, assim como o cantor, que emplacou vários sucessos na carreira solo e virou um grande nome na música brasileira.
Como foi para você saber da doença dele?
Uma tristeza. Não sabíamos de nada quando ele saiu do grupo.
Consegue imaginar como seria Cazuza hoje, aos 50 anos?
Um pouco mais tranquilo, como um cinquentão que foi à guerra e voltou. Continuaria curtindo sua praia, tomandos seus drinques de vez em quando, exagerando vez por outra, escrevendo belas letras e nos contando que o dia ainda nasce feliz.
(5) Guto Goffi - totalmente inédita
Como você classifica a música de Cazuza para o sucesso do Barão?
De grande qualidade, a parte musical sempre foi mais responsabilidade do grupo.
Para você, como foi o dia em que Cazuza anunciou a saída do Barão?
Triste como tudo que é bom quando acaba.
Quais as transformações mais visíveis entre a obra de Cazuza, antes e depois da Aids?
Cazuza foi excepcional desde o princípio, o público é que demorou a perceber isso. Com a doença terminal e a piedade católica do brasileiro, todos resolveram tirar o chapéu pra ele. Graças a Deus, ainda em vida.
Como você soube da morte dele?
Já sabia que a hora estava chegando e quando ele morreu, fui avisado em minha casa.
Quais as suas lembranças do enterro?
Muitos amigos reunidos para uma última homenagem, como acontece em qualquer enterro de quem tem amigos.
Como Guto imagina que seria o Cazuza aos 50?
Um pensador, como foi Gilberto Freire, Darcy Ribeiro, etc... Estaria contribuindo muito para grandes mudanças sociais certamente.
De todos os discos da carreira de vocês nos anos 80, tem como eleger o preferido? Por qual motivo?
Conhecemos Cazuza em meados dos anos 80, quando ele assinou contrato de carreira solo com a Polygram, gravadora onde faziamos assessoria de imprensa. Paralelo a isso, cruzavamos com ele nas noites do Baixo Leblon.
Vocês trabalharam com o Cazuza e acabaram amigos dele. Quais as características mais marcantes da "pessoa" que o "artista" escondia?
Cazuza nao escondia nada: sua irreverência, seu humor, seu lirismo, a fidelidade aos seus... enfim, a pessoa nao tinha nada diferente do artista.
Algum episódio interessante das parcerias de vocês por shows Brasil afora?
Fizemos uma viagem muito interessante com Cazuza, em sua última turnê pelo Nordeste, acompanhando uma equipe da extinta revista Manchete. Ele ja estava bem doente e fazia loucuras pra chocar as pessoas. Ele quis, por exemplo, fazer um piercing num salão de beleza bem careta no Recife. As madames ficaram em polvorosa.
Ficamos muito impressionados pela coragem dele de encarar, não só a doença, mas também a opinião pública, numa época que muito pouco se sabia sobre a doença. Além disso, costumavamos brincar que Cazuza estava tomando o soro da verdade pois tudo que lhe vinha em mente ele falava. Um dia, por exemplo, logo depois de termos sido despedidos da Polygram por razões meramente politicas, Cazuza cruzou no pátio da gravadora com o então presidente da mesma, um sujeito da África do Sul, muito careta, que disse: "Oi Cazuza, tudo bem?" Ao que ele respondeu de bate pronto: "Tudo bem é o caralho.... Você despede meus amigos e ainda me pergunta se está tudo bem?"
Como foram as manifestações da mídia depois da morte de Cazuza?
Foi uma onda enorme de solidariedade que seus pais, Lucinha e João, receberam de todo o Brasil. A midia, a exceção da Veja, foi muito respeitosa e até mesmo afetuosa.
Vocês imaginam como seria Cazuza aos 50? Qual seria o reflexo dessas mudanças na música dele?
Embora a gente continue a conviver com Frejat e outros contemporâneos de Cazuza, achamos difícil imaginá-lo grisalho, mais velho, mais sossegado... Conversamos sobre isso outro dia e acho que ele nao sossegaria nunca devido a inquietação natural que tinha.
Gilda, você me disse que passaria a Semana Santa com João e Lucinha. Como é a relação de vocês com a família de Cazuza hoje?
Nós fomos adotados por eles assim como os outros amigos queridos de Cazuza. Acho que faz bem a eles estarem conosco. Conversamos sobre Cazuza, como se ele estivesse aqui conosco, trocamos lembranças e tentamos amenizar a dor deles.
Gravador e máquina de escrever de Cazuza, preservados na SVC
Túmulo, no Cemitério São João Batista.
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Tenho uma opinião sem muito sentimento e um sentimento bem pessimista em relação ao fato do Brasil ser sede as olimpíadas de 2016. Na verdad...