quarta-feira, 22 de abril de 2009

Enquanto isso, no Relojoeiro

Nesse feriado que passou, cedi ao convite da minha mãe e a acompanhei em uma viagem para Garanhuns (cidade natal dela, aqui no interior de PE). A cidade estava "movimentada" por causa da quinta edição do Festival de Música, evento comparado àqueles antigos festivais do século passado, que revelaram jovens e (então) desconhecidos compositores e cantores, como Chico Buarque, Nara Leão e Caetano. Foram 2 mil músicas inscritas e 45 selecionadas para passar pelo crivo dos jurados. Cinco foram premiadas - o primeiro lugar ficou com um garanhuense, pela primeira vez.

Bem, mas o que quero contar aqui não são os detalhes do festival, mas uma experiência interessantíssima. Lá pras "uma e tantas da manhã", eu saí de casa, meio a contra gosto, pra ir jantar com a minha mãe no Relojoeiro (cujo dono e cheff trabalhou no famoso e antigo restaurante Leite, no Recife). Aliás, o lugar é mais que recomendado para que gosta de comida boa!

Bem, mas sem tergiversar muito, vamos ao que interessa. Lá no Relojoeiro, havia um encontro dos jurados do Festival de Música (exceto Roberto Menescau, que preferiu ficar no hotel). O radialista José Mário Austregésilo, o maestro Neneu Liberato e o compositor Carlos Fernando (abaixo). Este último, uma grande enciclopédia viva da história da nossa música.



Eu achei alguns comentários dele curiosíssimos e anotei para registro. Por exemplo, a música "Eclipse oculto", de autoria de Caetano Veloso. Disse-nos Carlos Fernando, a letra foi escrita por Caetano para Regina Casé, com quem o baiano estava tendo um affair. Acompanhe o raciocínio. Repare nos versos grifados e imagine o "tesão murcho":

Eclipse Oculto

(Caetano Veloso)

Nosso amor não deu certo, gargalhadas e lágrimas 
De perto fomos quase nada
Tipo de amor que não pode dar certo na luz da manhã
E desperdiçamos os blues do Djavan

Demasiadas palavras, fraco impulso de vida
Travada a mente na ideologia
E o corpo não agia como se o coração tivesse antes que optar
Entre o inseto e o inseticida

Não me queixo, eu não soube te amar, mas não deixo de querer conquistar
Uma coisa qualquer em você - o que será?

Como nunca se mostra o outro lado da lua
Eu desejo viajar pro outro lado da sua
Meu coração galinha de leão não quer mais amarrar frustação
O eclipse oculto na luz do verão

Mas bem que nós fomos muito felizes só durante o prelúdio
Gargalhadas e lágrimas até irmos pro estúdio
Mas na hora da cama nada pintou direito, é minha cara falar
Não sou proveito, sou pura fama

Nada tem que dar certo, nosso amor é bonito
Só não disse ao que veio atrasado e aflito
E paramos no meio sem saber os desejos, aonde é que iam dar
E aquele projeto ainda estará no ar?

Não quero que você fique fera comigo
Quero ser seu amor, quero ser seu amigo
Quero que tudo saia como o som de Tim Maia sem grilos de mim
Sem desespero, sem tédio, sem fim


Hã?

Bem, Carlos Fernando passou a noite exaltando a genialidade de Caetano ao compor recados. Eu mesma não fazia idéia de que "O Leãozinho" (gosto muito de te ver, leãozinho/ caminhando sob o sol...) fora composta para Dadi, baixo e guitarra da banda A Cor do Som. Eu também nem cogitava que "Esse cara" também era um "recado" de Caetano para o seu então empresário:

Ah! Que esse cara tem me consumido
A mim e a tudo que eu quis

Com seus olhinhos infantis

Como os olhos de um bandido

Ele está na minha vida porque quer

Eu estou pra o que der e vier

Ele chega ao anoitecer

Quando vem a madrugada ele some

Ele é quem quer


Ele é o homem

Eu sou apenas uma mulher

[Continua...]

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Reflexões furadas do tempo

Primeiro, devo desculpas pelo vazio de meses. Desculpas por mais um longo vazio de meses. É que tenho evitado o ato de escrever por escrever [ou de transcrever o alheio], como sinal de respeito pelo meu ofício adormecido. Eu fico sentida, assim como alguns que me reclamam pelo silêncio.

Primeiro, este tem sido um tempo ambíguo - para planejar e pensar muito e para agir pouco. Ou nada. É um tempo de dormência.

As coisas acontecem, costuram o tempo, alinhavam a vida da gente e nem sempre a gente percebe que passaram-se anos, eras ou outros nomes que damos às frações da vida. Mas falar de vida, tempo e anos é tão inútil. Já falaram tanto, tantos já transmitiram suas impressões. Algumas são tocantes, de tão gerais; outras são pessoais demais, então, intransferíveis e mudas.

Eu prefiro ouvi-las a escrevê-las. Ouvir tem a liberdade total do pensamento, então podemos vagar pelos sentimentos do interlocutor sem as amarras da escrita - que precisa de decodificação. Ouvir e sentir, simplesmente, é muito mais pessoal, muito mais rico e muito mais proveitoso. O problema é que se apaga. Por isso é que eu insisto em escrever; é pra ver se sobra algo pra lembrar quando a lembrança não ajudar mais.

Já fiz o teste que escrever, com o máximo de detalhes possíveis, um bom dia que tive [e também um péssimo]. As sensações são tão fiéis às originais que me remeteram ao momento [então parei de registrar coisas ruins]. O tempo vai levando as coisas, ou você as deixa cair pelo caminho, e dificilmente as encontrará se não tiver uma boa orientação para isso.

A passagem do tempo [descrita pelas nomenclaturas de suas frações] é muito inspiradora, assim como começos, meios e fins. Meios que explicam o começo são extasiantes. Fins que justificam os meios, melhores ainda. O fim, por si só, já é motivo pro recomeço. É meio sem fim.


Nota 1: Sim, meu objetivo é tegiversar. Quanto mais, melhor, "enquanto o seu lobo não vem".
Nota 2: Ainda em quarentena pela dormência do meu ofício. Temo que vire novena.
Nota 3: em caso de dúvida, em caso de não querer queimar seus próprios neurônios, escreve pra mim que eu tento explicar.
Nota 4: Não, não sei quando volto por aqui.