Era terça, mas Marcelo estava tão cansado que se sentia como numa repetitiva segunda-feira. Havia chegado em casa moído, deprimido, exaurido e vazio. Abriu a porta do apartamento, viu a samambaia seca na varanda. Com o vento, as folhas se espalhavam pelo chão. No puff de couro, debaixo da samambaia morta, dormia Filó. Poderia matá-lo também.
Sentando no sofá, ele esticou as pernas que doíam pelas intermináveis horas sentado. Os dias na redação estavam cada vez piores, repetitivos, e embora ele gostasse, já faltava tesão. Tensão. Custava a pensar, estava aéreo, tenso, distante. Os amigos já reclamavam. Os mais chegados diziam que Marcelo estava ali só de corpo, mas era difícil pra ele explicar. "Não, eu não tenho nada", dizia. Tinha, embora não soubesse.
Entrou na cozinha, abriu a geladeira. Era a visão da sua depressão: dois ovos que ele não tinha ideia de quando chegaram ali, um pacote de queijo parmesão ralado, aberto há décadas, maçãs já murchas de tão esquecidas e uma garrafa de água. Meio vazia. Só faltavam as pilhas. Suspirou e desistiu de jantar. Foi tomar banho.
Marcelo não tomava banho frio. Fosse qual fosse a temperatura do dia, puxava o chuveiro pro modo "inverno" e curtia o vapor d'água embaçando o vidro do box. Pensava na vida, ou chorava, ou cantava. Esperava que dali, daquele momento solitário, ele chegasse em soluções, em ideias. Mas nada. Nada de compreender seus próprios porquês, sua própria existência, seus sentidos.
Fechou a água. Abriu uma garrafa de vinho tinto seco, chileno, de preço médio. Buscou uma taça. Puxou um LP da estante, pôs na radiola, acendeu um cigarro. Pôs-se a ouvir Gil.
[continua...]
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