domingo, 24 de fevereiro de 2008

Gabriel Contino, O Pensador

Quando eu tinha 14 pra 15 anos (em 1997), descobri Gabriel O Pensador quando meu pai de me deu de presente o CD "Quebra-cabeça". Ouvia as músicas exaustivamente, como é comum sempre que descubro ou redescubro alguém (Cazuza e Lobão não me deixam mentir), chegando a levar reclamações da minha irmã, que quando não me ouvia cantando "dois, três, quatro, cinco, meia, sete, oito...", me pegava tentando decorar a letra de outra música.

O mais engraçado de lembrar desta época é que eu era muito inocente. A hermenéutica funcionava mal, confesso:

- "É a bola da vez, Elizabeth/ Dizem as más línguas que ela é boa de.../ Alô?/ Alô, a Beth tá?/ Tá, mas não pode falar/ Ela tá de boca cheia, eu tô comendo, rapá..."

[Destes versos, eu concluía que a moça estava comendo (gastronomicamente falando) e estava (literalmente) de boca cheia.]

Ontem fui cobrir o show do Pensador em Maracaípe, junto com minha nova companheira de masmorra e o fotógrafo. Todas essas experiências do jornal têm sido interessantíssimas. Primeiro, pelo fato de que eu nunca havia ido para um show na praia (exceto no Rio, quando fui ver Rita Lee em Copacabana). Depois, passo sempre longe de áreas vips (não por qualquer princípio ou frescuras assim, mas pela falta de dinheiro e de amigos influentes).

Esse tipo de "demarcação" esconde peculiaridades bem diferentes. Além do desfile de modelitos "fashion" (bem distantes daquilo que eu entendo como "próprios para praia"), uma distribuição gratuita de bebidas (o evento era patrocinado pela Montilla, que sugeria que todos "vivessem seu espírito pirata) e aquele clima de descontração forçada. Sei lá, algo assim...

Primeiramente o show foi uma prova de que a minha memória é, sim, das melhores. Ainda me lembrava de todas as músicas do meu antigo CD de estimação.

Parênteses:

Gabriel convida uma menina da platéia para acompanhá-lo em "2345meia78", fazendo as vozes femininas da música. Ela sobe e fica muda. Eu, na platéia, anotava algumas palavras-chaves que refrescam a memória na hora de fazer a matéria, e cantava toda a letra. Eis que o produtor me abordou e arrastou pro palco. Nem o aviso de que estava "à serviço" o convenceram de que aquilo não seria uma boa idéia, mas eu me safei. Sou ótima cantora, calada...


Musique-se

Cachimbo da paz

A criminalidade toma conta da cidade
A sociedade põe a culpa nas autoridades
O cacique oficial viajou pro Pantanal
Porque aqui a violência tá demais
E lá encontrou um velho índio que usava um fio dental
E fumava um cachimbo da paz
O presidente deu um tapa no cachimbo e na hora de voltar pra capital ficou com preguiça T
Trocou seu paletó pelo fio dental e nomeou o velho índio pra ministro da justiça
E o novo ministro chegando na cidade
Achou aquela tribo violenta demais
Viu que todo cara-pálida vivia atrás das grades
E chamou a TV e os jornais
E disse: "Índio chegou trazendo novidade
Índio trouxe cachimbo da paz"

Maresia, sente a maresia
Maresia, uuuuu...

Apaga a fumaça do revólver, da pistola
Manda a fumaça do cachimbo pra cachola
Acende, puxa, prende, passa
Índio quer cachimbo, índio quer fazer fumaça

Todo mundo experimenta o cachimbo da floresta
Dizem que é do bom
Dizem que não presta
Querem proibir, querem liberar
E a polêmica chegou até o congresso
Tudo isso deve ser pra evitar a concorrência
Porque não é Hollywood mas é o sucesso
O cachimbo da paz deixou o povo mais tranqüilo
Mas o fumo acabou porque só tinha oitenta quilos
E o povo aplaudiu quando o índio partiu pra selva
E prometeu voltar com uma tonelada
Só que quando ele voltou, sujou
A polícia federal preparou uma cilada
"O cachimbo da paz foi proibido, entra na caçamba, vagabundo!
Vamô pra DP!
Ê êê! Índio tá fudido porque lá o pau vai comer!"

Maresia, sente a maresia
Maresia, uuu...

Apaga a fumaça do revólver, da pistola
Manda a fumaça do cachimbo pra cachola
Acende, puxa, prende, passa
Índio quer cachimbo, índio quer fazer fumaça

Na delegacia só tinha viciado e delinqüente
Cada um com um vício e um caso diferente
Um cachaceiro esfaqueou o dono do bar porque ele não vendia pinga fiado
E um senhor bebeu uísque demais
Acordou com um travesti e assassinou o coitado
Um viciado no jogo apostou a mulher, perdeu a aposta e ela foi seqüestrada
Era tanta ocorrência, tanta violência
Que o índio não tava entendendo nada

Ele viu que o delegado fumava um charuto fedorento
E acendeu um "da paz" pra relaxar
Mas quando foi dar um tapinha
Levou um tapão violento e um chute naquele lugar
Foi mandado pro presídio e no caminho assistiu um acidente provocado por excesso de cerveja
Uma jovem que bebeu demais atropelou um padre e os noivos na porta da igreja
E pro índio nada mais faz sentido
Com tantas drogas porque só o seu cachimbo é proibido?

Maresia, sente a maresia
Maresia, uuu...

Apaga a fumaça do revólver, da pistola
Manda a fumaça do cachimbo pra cachola
Acende, puxa, prende, passa
Índio quer cachimbo, índio quer fazer fumaça

Na penitenciária o "índio fora da lei" conheceu os criminosos de verdade
Entrando, saindo e voltando cada vez mais perigosos pra sociedade
Aí, cumpádi, tá rolando um sorteio na prisão
Pra reduzir a super lotação
Todo mês alguns presos têm que ser executados
E o índio dessa vez foi um dos sorteados
E tentou acalmar os outros presos: "Peraí..., vamô fumar um cachimbinho da paz"
Eles começaram a rir e espancaram o velho índio até Até não poder mais

E antes de morrer ele pensou: "Essa tribo é atrasada demais...
Eles querem acabar com a violência, mas a paz é contra a lei e a lei é contra a paz"

E o cachimbo do índio continua proibido mas se você quer comprar, é mais fácil que pão
Hoje em dia ele é vendido pelos mesmos bandidos que mataram o velho índio na prisão

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