Eu amo São João por causa das lembranças. Era a época de início de férias e de chegar na casa de vovó Edda e encontrar Monteiro (meu avô materno) ocupado montando uma fogueira bem jeitosa, enorme, que seria acesa no início da noite. Era religioso. Monteiro montava fogueira também para São Pedro, todos os anos.
E chegar na casa de vovó Edda (uma casa grande e querida, no bairro da Ilha do Leite, aqui no Recife) era abrir a mala do carro para tirar uma corda de bandeirinhas ou encontrar alguém (vovó ou uma das minhas tias) colando bandeiras num barbante comprido na mesa da sala - de jornal, de página de revista Veja ou de plástico colorido.
Era também dia de ver Francisca (a negra querida e materna, de cozinha afável - sim, elas existem fora dos livros) descascando milhos sentada na garagem. Eu ficava lá, de tocaia. Não que gostasse muito de descascar milho (ficava me coçando por causa daquele monte de cabelo), mas adorava catar as lagartas verdes e fazer maldades com elas (Freud explica, calma...).
Era também dia de ver Francisca (a negra querida e materna, de cozinha afável - sim, elas existem fora dos livros) descascando milhos sentada na garagem. Eu ficava lá, de tocaia. Não que gostasse muito de descascar milho (ficava me coçando por causa daquele monte de cabelo), mas adorava catar as lagartas verdes e fazer maldades com elas (Freud explica, calma...).
Dia 23 de junho também era dia de ver vovó moendo milho num moedor manual, de manivela, que ela prendia na bancada da cozinha. O processo consistia em tirar os grãos do sabugo com uma faca, colocar os grãos (que saíam enfileirados e eu achava interessantíssimo) no moedor e pegar aquela massa moída pra fazer canjica e pamonha. Eu gostava mais de canjica, ainda quente, mas achava a pamonha curiosa, vestida "a caráter". Francisca era mestra em fazer aquele pacote com a palha do milho. Era por causa disso que ela dizia: "tente tirar a palha inteira, senão não dá pra fazer pamonha". E eu ia com o cuidado e experiência de neta mais velha.
E eu achava aquele moedor de ferro o máximo. Tinha que fazer muita força e minha boa vontade de ajudar acabava logo. Mas ali não tinha corpo mole. Ajudar não era só questão de opção. Todo mundo fazia parte da festinha.
Mas então painho saía pra comprar fogos - traques de massa, aliadas, bolas metralhas, vulcões, três tiros, estrelinhas -, Monteiro descia com a radiola e os LPs de Gonzagão e mainha vestia a gente de matuta. Com detalhe: enquanto todo matuto junino tem muitas pintinhas nas bochechas, Juliana e eu tínhamos apenas uma, de um lado. Sabe lá Deus o porquê...
Receber Karina (nossa única prima na época - que ainda é de terceiro grau, sobrinha-neta de Monteiro) era outro detalhe junino. E tem um último que eu não posso esquecer: invariavelmente, todos os anos, eu me queimava. Fosse por me fazer de sabichona e querer soltar "fogos de adultos", fosse por achar que podia com a fogueira de Monteiro. Sempre terminei o São João com uma lembrancinha chamuscada!
Hoje, eu sinto cheiro de fumaça e uma saudade danada. Acabei de comer um pedaço de pamonha que mainha comprou não sei onde. Nem é a mesma coisa, mas o São João do "seu" João (o primeiro nome de Monteiro) era tão bom que a lembrança não poderia ser ruim.
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Musique-se
Noites brasileiras
Ai que saudades que eu sinto
Das noites de São João
Das noites tão brasileiras na fogueira
Sob o luar do sertão
Meninos brincando de roda
Meninos brincando de roda
Velhos soltando balão
Moços em volta à fogueira
Brincando com o coração
Eita, São João dos meus sonhos
Eita, saudoso sertão