domingo, 3 de julho de 2011

Além da vil superficialidade

Aproveitei o meio expediente do feriado passado, de São João, para aprofundar na superficialidade. Aliás, esse era o génesis desse blog, mas há muito não faço. Fiquei um tempo cevando o texto, até decidir publica-lo.

Pois então.

Tenho convivido com uma figura controversa nas últimas semanas e observá-la me fez pensar em superficialidade e superficialidades. Para ser mais exata, me fez pensar no quanto conseguimos ser superficiais – é quase sempre regra o quão conseguimos ser rasos.

Falando dessa personagem, eu digo e confesso: várias vezes me pego queimando de raiva ou se cenho franzido, sinal de reprovação evidente a alguma coisa que ela faça. Barulho, espalhafate, palavrões fora de hora ou conversas com decibéis a mais (logo quando eu estou no auge da concentração); a lista é enorme. Ela é capaz de tirar a paz do ambiente inteiro com uma risada.

Tudo isso poderia ser desnecessário, embora pense - quando estou mais de observadora que de interlocutora - que faz parte do conjunto. E quem parar para uma conversa pontual, um assunto mais controverso – que inclua esforço, trabalho, filho, despesas – vai perceber que há mais o que se observar ali. Vai além de uma ex-hippie (de boutique) declarada, ainda fora de lugar, que já não encaixa na vibe 70’ nem está ainda modelada na realidade dos quase-30. É porque ser mãe não deve ser nada fácil, ainda mais quando o sustento é de uma fonte só; ainda mais quando se é jornalista; muito pior se o tempo (melhor, a falta dele) for seu inimigo-mor. É que me soa louco demais dividir pífias 24 horas com trabalho, carro, jornal, lista de supermercado, roupa, tinta de cabelo, conta pra pagar, cerveja pra beber, problema pra discutir e filho pra ninar.

William Bouguereau (1825-1905)
Admiration Maternelle [Maternal Admiration] - modificado

É interessante observar o “além mar” das coisas e a gente viveria melhor se se desse ao trabalho de esticar a vista. Seria melhor que ser simplesmente rasteiro e atentar apenas ao que salta aos olhos. Oras, isso qualquer um vê, qualquer simplório observador pode constatar. Acho que a graça das coisas está mesmo em olhar além, em dar atenção ao que ninguém atinou, porque aí você acaba sentindo o que ninguém sentiu e nem vai.

Meu ambiente tem sido dos mais férteis e eu adoro a tarefa diária de observar. O bom é tatear a superfície, catalogar a paleta de cores, a trilha musical. Trejeitos, percepções, passados, manias, defeitos, medos. Os pormenores têm me fascinado. Eu observo desbotes de tinta de cabelo, simetrias de barbas, formatos de unhas, o tom da pele, linhas de expressão, contornos de olhos, os entrecortes das veias pelos braços e pescoços. E, acredite em mim, isso diz demais.

Na minha personagem, a alegria transborda até quando está ausente. Ela me parece ter a obrigação de ser feliz, sem qualquer saída, sem outra condição, numa “auto imposição” constante. Tem quem se irrite com isso (já me abusei várias vezes, bom lembrar), mas também é importante notar que isso é somente a camada aparente. Abaixo há muitas outras.

Eu comecei esse texto no carro, voltando da redação pra casa, no início do feriado passado. São momentos em que a cabeça despreocupada por minutos pode mergulhar em algo, mesmo que eu não me dê conta conscientemente. Mas para não perder mais essa viagem, foi uma mão ao volante, outra na caneta, pegando os lampejos antes que eles saíssem pela janela. A inspiração tem lá seus caprichos e a gente que tem que atendê-la, na hora que chega, ou ela vai embora e aqui, no superficial, não vai sobrar nada.

É bom permitir-se mergulhos como esses. Em vários lugares, em muitas almas. Dá sabor novo àquilo que você julgava já conhecer. Uma grata surpresa a cada dia.

2 comentários:

Sabrina Medeiros disse...

É por textos como esse q sei pq viramos amigas. Orgulho! Bjoo, Sabri

Franco Benites disse...

Esta Tati é uma abusinho-mor querido e uma máquina de escrever ótimos textos. =*