sexta-feira, 19 de outubro de 2012

CVC [parte 6]

Há dias Marcelo estava inquieto. Sentia-se em um momento de letargia porque não via sentido em nada que havia construído até ali. Ele tentava falar sobre o vazio com alguns amigos, mas só ouvia que ele pensava demais e deveria relaxar. De Maíra, Marcelo ouvia coisas mais contundentes, mais inquietantes.

- Você precisa ler mais. Precisa se soltar mais desses conceitos velhos, caducos.

Marcelo sabia que Maíra tinha razão. Ele sentia que há anos não tinha sossego, que as coisas eram mais pesadas do que ele gostaria. Leveza era algo que andava longe. Resolveu que deveria "arrumar" alguém. Olhou em volta, na redação, e só viu as mesmas pessoas de sempre, suas conversas de sempre, suas agruras e limitações de sempre. Muitas vezes quis chorar, lamentar pela solidão, mas preferia contentar-se com sua própria companhia e de alguns poucos amigos.

Naquela tarde, Marcelo quis terminar logo as obrigações e sair cedo. Desceu da redação com o dia ainda claro, andando pelo bairro antigo onde ficava o jornal. Não sabia exatamente o que fazer com aquele tempo e desejou ter alguém que pudesse decidir para ele aonde ir.



Entrou no shopping center vizinho, passou em frente a uma agência de viagens. Paris, Salvador, Cancun, Rio de Janeiro, "Ilhas gregas em cinco dias", "um fim de semana em Gramado". Seu nível de tédio subiu. Marcelo detestava clichês, como a muitas outras coisas. Suspirou fundo. Apanhou um panfleto e dirigiu-se à funcionária da loja:

- Tem algum roteiro para uma viagem diferente, Leila? - disse, lendo o nome da moça de cabelos tingidos e nariz pequeno.
- Temos todo tipo de pacote, senhor - Leila respondeu, em meia voz.
- Algum para a África? - arriscou.
- Não, senhor. Não trabalhamos muito o turismo exótico. Mas temos excelentes promoções para Miami e Orlando.

Marcelo sentiu uma pontada no estômago.

- E o que há de bom lá? - rebateu, no deboche, fingindo interesse.
- O senhor pode levar os filhos para a Disney. Parcelamos em 12 vezes sem juros - ela retrucou, estendendo um panfleto.
- Ótima sugestão, Leila. Vou avaliar.

Saiu pensando como alguém que tenha filhos (assim, no plural, seriam quantos? Dois? Seis?) pode ter também coragem de sair com eles do País.

- Doze vezes?

Viu um novo café no shopping. Hesitou sentar ali porque isso, com certeza, o faria pensar, mas não resistiu ao vício da cafeína. Deixou-se sentar, abriu o cardápio, olhou demoradamente, pediu o de sempre.

- Um capucchino grande, por favor. Com o dobro de canela e sem açúcar.

Olhou para o panfleto:

- Nossa... Bariloche, Buenos Aires... - pensou, amassando o panfleto.

Estendeu a vista à frente e viu uma moça sentada. Parecia impaciente, balançava o pé pendurado da cruzada das pernas. Olhava o relógio de pulso, e adiante.

(continua...)

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