Terça-feira fui ver “Toda Nudez Será Castigada”. Texto de Nelson Rodrigues, encenada no Santa Isabel pelo grupo paulistano Armazém Cia de Teatro.
Chuva de junho atrapalha tudo. O vento do Capibaribe me faz andar descompassada, tentando segurar a saia que teimava em não ficar no lugar. É, na verdade eu nem ligo pra chuva, já que meu cabelo nada tem contra água, mas o vento...
Eu já me irrito no começo, estacionando o carro. “Senhora é o cacete”, penso, enquanto o flanelinha bate desesperado no vidro. Eu saio muda, mas a minha cara já o deixa cabreiro. Oras, eu não sei o que é dinheiro há meses, já que estagiário de tv pública não pode querer um luxo desses, e a criatura quer que eu lhe dê cinco reais para estacionar sob os seus cuidados.
Com uma hora de antecedência e ninguém pra conversar, eu sento pra comer alguma coisa. E, pra variar, peço um... como é mesmo o nome? Não me lembro, mas o tal alimento à base de queijo tinha também pedaços de bacon, coisa que eu não curto muito.
Aí termino tudo, vou pra fila e fico conversando com Clarice. Entretida entre as narrativas da vida desgraçada de Macabéa, me chateio com o povo que passa e bate no livro, me desconcentrando. Resisto até entrar e me sentar na primeira fileira, cheirando o palco bem no meio. [Isso, aliás, é uma das inúmeras vantagens que o teatro tem sobre o cinema. Sentar perto é tão bom (ou melhor) que sentar longe.]
Como as coisas não poderiam sossegar tão cedo pra mim, em 10 minutos, estou eu sentada entre dois casais. Mas tudo bem, Clarice continuava comigo e eu fingia não ter me incomodado com o perfume doce do meu novo vizinho da direita.
A peça começa. O cenário é intrigante. Oito portas de tamanhos e formas diferentes compõem um semi-círculo que envolve o pensamento. Dali, eu só sairia quase duas horas depois. O vizinho da esquerda começa a balançar a perna, coisa que me irrita profundamente. Juro que fiquei com vontade de reclamar, mas achei que ele, por bom senso, acabaria ficando quieto. Ledo engano. A criatura nos balançou a peça inteira e eu pude perceber o meu poder de autocontrole e de concentração. Enorme...
Entre os nus descarados e sem pudores que compõe, sem apelar, o enredo da peça, eu fiquei maravilhada em poder ver e sentir o realismo. Os atores emprestam técnica e corpo a um texto primoroso. Nelson é um gênio, mas, antes de tudo, um ser sensível ao mundo. Capaz de mostrar você a você mesmo e deixar-te ruborizado ao reconhecer-te. Entende?
Eu me reconheci na peça. Mas juro que não conto onde.
Ah, meu caro, a mente humana é surpreendentemente irracional, instintiva.
E se eu não tivesse quase passado dessa pra próxima no caminho para casa, a noite teria sido perfeita. Isso é outra história. Plagiando Drummond, “no meio do caminho havia ‘um buraco’”.
Chuva de junho atrapalha tudo. O vento do Capibaribe me faz andar descompassada, tentando segurar a saia que teimava em não ficar no lugar. É, na verdade eu nem ligo pra chuva, já que meu cabelo nada tem contra água, mas o vento...
Eu já me irrito no começo, estacionando o carro. “Senhora é o cacete”, penso, enquanto o flanelinha bate desesperado no vidro. Eu saio muda, mas a minha cara já o deixa cabreiro. Oras, eu não sei o que é dinheiro há meses, já que estagiário de tv pública não pode querer um luxo desses, e a criatura quer que eu lhe dê cinco reais para estacionar sob os seus cuidados.
Com uma hora de antecedência e ninguém pra conversar, eu sento pra comer alguma coisa. E, pra variar, peço um... como é mesmo o nome? Não me lembro, mas o tal alimento à base de queijo tinha também pedaços de bacon, coisa que eu não curto muito.
Aí termino tudo, vou pra fila e fico conversando com Clarice. Entretida entre as narrativas da vida desgraçada de Macabéa, me chateio com o povo que passa e bate no livro, me desconcentrando. Resisto até entrar e me sentar na primeira fileira, cheirando o palco bem no meio. [Isso, aliás, é uma das inúmeras vantagens que o teatro tem sobre o cinema. Sentar perto é tão bom (ou melhor) que sentar longe.]
Como as coisas não poderiam sossegar tão cedo pra mim, em 10 minutos, estou eu sentada entre dois casais. Mas tudo bem, Clarice continuava comigo e eu fingia não ter me incomodado com o perfume doce do meu novo vizinho da direita.
A peça começa. O cenário é intrigante. Oito portas de tamanhos e formas diferentes compõem um semi-círculo que envolve o pensamento. Dali, eu só sairia quase duas horas depois. O vizinho da esquerda começa a balançar a perna, coisa que me irrita profundamente. Juro que fiquei com vontade de reclamar, mas achei que ele, por bom senso, acabaria ficando quieto. Ledo engano. A criatura nos balançou a peça inteira e eu pude perceber o meu poder de autocontrole e de concentração. Enorme...
Entre os nus descarados e sem pudores que compõe, sem apelar, o enredo da peça, eu fiquei maravilhada em poder ver e sentir o realismo. Os atores emprestam técnica e corpo a um texto primoroso. Nelson é um gênio, mas, antes de tudo, um ser sensível ao mundo. Capaz de mostrar você a você mesmo e deixar-te ruborizado ao reconhecer-te. Entende?
Eu me reconheci na peça. Mas juro que não conto onde.
Ah, meu caro, a mente humana é surpreendentemente irracional, instintiva.
E se eu não tivesse quase passado dessa pra próxima no caminho para casa, a noite teria sido perfeita. Isso é outra história. Plagiando Drummond, “no meio do caminho havia ‘um buraco’”.
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