Estar no lugar certo na hora certa pode mudar a sua vida, concorda? Num conceito não tão drástico assim, estar no lugar certo na hora errada também tem suas consequências. Pois bem.
Dia desses, fui ao oftalmologista para ele me receitar novos óculos para substituir os velhos e arranhados. Entreguei os documentos à secretária e disse a Tardelle:
- Bora sentar ali em cima? - me referindo ao salão, logo depois das escadas.
- Não, bora ficar aqui mesmo. - respondeu, já sentadão.
Aí peguei minha Rolling Stones do mês e tentei começar uma leitura. No lugar onde estávamos sentados havia duas cadeiras vagas, uma de cada lado. Aí senta uma senhora do lado dele e puxa conversa:
- Tá cheio aqui, né?
- É, né? - Responde, meio sem puxar muito papo, como lhe é peculiar.
Pronto, foi a deixa. Eu pensei que enterrar minha cabeça na entrevista com Caetano Veloso ia me salvar, mas eis que um senhor, sentado do meu lado, também puxa conversa e emenda uma piada:
- Eu assisti há muito tempo atrás no A praça é nossa...
Foi um esforço surreal para parecer simpática, pelo menos por fora. Mas aí foi a deixa também, e ficamos os dois, incumbidos de dar atenção aos dois senhores que, saberíamos dali a alguns minutos, eram um casal.
Dona Maria José (ou Mazé), 73 anos, era super falante, daquelas senhoras espaçosas, engraçadas. Pois não é que ela achou de se engraçar com meu namorado?
- Ela é ciumenta? - Perguntou Dona Mazé a Tardelle, referindo-se a mim.
- É, muito. - Respondeu ele, rindo.
- É... ela tem que ser mesmo. Um rapaz bonito desses...
Aí ela me puxa pelo braço e solta:
- Se eu fosse mocinha, tu tinhas deixado eu conversar com ele?
- Claro que não, né? – respondi.
Dona Mazé deu uma gargalhada...
- Mas do jeito que as coisas estão hoje, - continuou – você deveria ter medo!
- E como estão as coisas hoje?
- Você não viu Elza Soares? Ela tem mais de 70 também e namora um menino de 25.
Ri pra não dar um fora. Fiquei com medo do Estatuto do Idoso.
O problema foi que, no meio da graça, a gente começou a perceber algo errado:
- Vocês moram onde? – perguntou a “doce vovó”.
- Aqui perto - respondi.
Em 15 minutos, ela pergunta:
- E vocês moram onde?
- Ali perto do Náutico...
Vamos contabilizar: foram 35 minutos de espera, 30 minutos de conversa. Dez vezes ela perguntou onde a gente mora, outras oito, nossos nomes:
- E como são os nomes de vocês?
- Tatiana e Tardelle...
- Tardelle... que nome diferente. É bonito. Como se escreve?
Mas ela anotou num pedaço de papel pra não esquecer mais. O problema deve ter sido encontrar aquilo lá escrito e não saber do que se tratava... Mas como a própria Dona Mazé repetiu 14 vezes: "Melhor ser falante do que não falar nada, né?"
É...
** Dona Mazé sofre do Mal de Alzheimer, doença degenerativa do sistema nervoso, caracterizada pela demência.
3 comentários:
Lindo texto, gostei do humor, e também da abordagem sobre um assunto importante...grande beijo!
Paciência e uma dose de "olha o futuro lá frente"
É isso
bjos
Nossa...mudanças no viasual do blog Gostei.
Mamuuute, imagino tua cara.
kkkkkkkkkkkkkkkk
Ò..adorei o texto.
Beijo
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