domingo, 31 de janeiro de 2010

Mas é Carnaval...


O ouvido apita e os dedos do pé ardem. A coluna também reclama do longo tempo em pé, sem descanso. Daqui da janela, eu vejo o sol nascer por entre os prédios (moro aqui há uns sete anos e nunca tinha visto), num momento rápido de insônia. Não são coisas da idade; são coisas de Carnaval.

Coisa de Carnaval é ser motivo de piada por causa da fantasia, mas incorporar o personagem. Esta noite, eu me senti Mônica de verdade e vi piratas, colombinas, pierrôs, abelhas, joaninhas e faraós aos montes – em alusão ao grande sucesso de Margareth Meneses, grande atração da noite (quando a baiana entrou no palco, já passava das 3h). Pouco antes, o palco foi da excelente Orquestra da Bomba do Hemetério, regida pelo igualmente excelente Maestro Forró. E gente saindo por todos os espaços.

O Balmasqué, em sua 62° edição, quis inovar, atrair um público diferente. Abriu mão da fantasia obrigatória (mas boa parte ainda lembrou-se da máscara), variou convidando artista baiano (olha lá, não somos tão bairristas assim), arrasou na decoração do salão, que ficou entupido de gente. Pecado mesmo foi ter mantido a festa no Clube Internacional do Recife que, apesar de lindo, não tem arcondicionado. A galera suou em bicas.

Os bailes tradicionais daqui do Recife, assim como o Carnaval de Olinda, guardam lembranças dos festejos antigos. Mesmo que espaçadas, as marchinhas (“Bloco das Flores, Andaluzas, Cartomantes...”) continuam lá pra quem quiser cantar entusiasmadamente, mesmo que sejam as mesmas de todos os carnavais que você já viveu; mesmo que, quando chegue a Quarta-feira de Cinzas, ninguém agüente mais seus versos (“Madeira do Rosarinho, venha à cidade sua fama mostrar...”).

Carnaval parece que é época de investir na fantasia, sim, mas igualmente é tempo de vestir qualquer tralha que se veja pela frente. Inclusive, é fantasiar que se é a mulher maravilha quando se está mais para Rei Momo. Vi cada trepeça que é difícil descrever, mas elas fazem parte da festa, peças fundamentais da diversão. Há também os tipos peculiares, seres abarrotados de hormônios, montados em saltos altíssimos. Não tem problema, ali tem espaço pra todo mundo, pra todo tipo de gente.

E Carnaval também é tempo de gritar “Volteeeeei, Recife, foi a saudade quem me trouxe pelo braço”, embolar o “quero ver novamente Vassouras na rua abafando” e retomar o ritmos em “tomar umas e outras e cair no passo”.

Lotadíssimo, o Clube Internacional ferveu, no sentido literal da palavra, mas foi uma festa bonita de sentir, tranqüila. Com certeza, não deve ter a elegância e o glamour de seus primeiro anos, mas preserva o hábito curioso e muito bem cultivado por nós: o de fantasiar.

(...)
Mas é carnaval
Não me diga mais quem é você
Amanhã, tudo volta ao normal
Deixe a festa acabar
Deixe o barco correr
Deixe o dia raiar
Que hoje eu sou
Da maneira que você me quer
O que você pedir
Eu lhe dou
Seja você quem for
Seja o que Deus quiser

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Vem Dom Bosco sonhador, vem conosco caminhar...


O dia de hoje me fez refletir sobre o quanto estamos ligados às nossas origens e sobre na importância que isso tem. Não estou falando de amarras geográficas ou familiares, mas de laços afetivos, aqueles mesmos que fizeram meu coração acelerar hoje, durante a missa comemorativa pela passagem da urna com a relíquia de Dom Bosco, no Colégio Salesiano Sagrado Coração.

Bem, eu passei a infância e a adolescência ouvindo falar sobre Dom Bosco. Como sempre estudei em casa Salesiana, de 1986 a 2000, me acostumei a estudar sua vida – fosse nas aulas de Religião (disciplina obrigatória no colégio até o 2° ano), para a “Maratona de Dom Bosco” (um "quiz" organizado pelos professores, só com perguntas sobre ele) ou em todo “Bom Dia” (o momento de boas-vindas que tínhamos todas as manhãs, durante o primário). Isso sem falar que, no Salesiano, tudo é batizado com o nome de São João Bosco – quadra, laboratório, parque aquático, sala. Tudo! Concessão, só para Mamãe Margarida, a genitora, e São Domingos Sávio (este, o “modelo de aluno Salesiano”, em quem todos deveriam se espelhar, cujo lema assustador estampava um dos corredores do colégio: “Antes morrer que pecar”).

[Ah, e quem estudou no Salesiano que não lembra do Pe. Benevides, então diretor do colégio, dizer, incansavelmente, sobre o "sonho dos nove anos"?]

Minha turma e eu estamos completando 10 anos da conclusão neste ano. Eu tenho 15 anos de colégio mais 10 de participação em atividades ligadas a ele (oratório e União dos Ex-alunos de Dom Bosco), que somam 25 anos de uma relação estreita, de cumplicidade, de amor mesmo.

Eu tinha me esquecido disso, mas hoje as coisas se reavivaram. E são estes momentos, em que sua vida passa à sua frente, que fazem você perceber que tempo é uma coisa verdadeiramente mágica, capaz de mudar tantas coisas, mas de preservar tantas outras.

O tempo também transforma aquela dor da “separação” em um sentimento de gratidão e de pertencimento muito grande. Ali, eu aprendi muito e conheci pessoas que foram e são indispensáveis na minha formação: sentadinha num dos bancos da igreja, uma senhora de cabelos brancos assistia ao final da missa. Era “tia” Teca, professora responsável pelo meu primeiro grande passo: a alfabetização – e eu sempre lhe serei grata por isso. Eu não resisti a falar com ela. E como foi bom aquele abraço.

E é isso. Aquele momento, pra mim, não foi um culto católico a um santo(embora eu tenha comungado, acompanhando um antigo e querido companheiro de “grupo jovem”, João Alves), mas a chance de redescobrir um pedaço da minha vida que andava meio esquecido. Ali, eu lembrei que tenho raízes fortes o suficiente.

É um sentimento muito bem traduzido por Gregório de Matos:
O todo sem a parte não é todo;
A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo todo.



IMAGENS DE HOJE



Estátua de Dom Bosco, com rosto feito a partir de uma máscara mortuária



Santuário Sagrado Coração cheio de gente para a homenagem ao fundador dos Salesianos



Dom Edvaldo (ex-bispo de Maceió) e Pe. Benevides, diretor do Salesiano na época em que eu era aluna



Senador Marco Maciel, que vez por outra aparece por lá, encobrindo minha foto!



Todo mundo em cima da urna - e eu de longe, olhando...



Olha só a multidão que estava lá

“Meus caros, eu vos amo de todo o coração, e basta que sejais jovens para que vos ame muitíssimo”.
Dom Bosco

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Zilda Arns, no Pasquim


Atrás de informações sobre a multimistura, encontrei uma entrevista com a médica Zilda Arns, publicada pelo Pasquim em 2002. É bom ver que a capacidade de mudar as coisas é verdadeira. E dá certo.

Entrevista com Dra. Zilda Arns

Jornal O Pasquim 21 -  número 1 - 19/02/2002

Olhos claros - pequenas continhas quase sumidas no rosto germânico -, sorriso sempre aberto e gestos comedidos. Zilda Arns Neumann, médica pediatra e sanitarista, coordenadora nacional da Pastoral da Criança, também representante titular da CNBB no Conselho Nacional de Saúde, também coordenadora da Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher e da Comissão Intersetorial de Saúde do Índio do mesmo Conselho, premiada várias vezes por organizações como Unicef,  Unesco, Opas, universidades, municípios, estados e governo federal do Brasil, indicada em 2001 ao Prêmio Nobel da Paz, inspira tranqüilidade e firmeza, doçura e força. Viúva, mãe de cinco filhos e avó de oito netos, irmã de personalidades raras na vida religiosa brasileira, como dom Paulo Evaristo Arns e dom Crisóstomo, é chamada simplesmente de 'dona Zilda' pela população ribeirinha da Amazônia, pelas comunidades pobres do Sul do país, pelas crianças do Nordeste que só conseguiram se manter neste mundo graças ao trabalho dos milhares de voluntários da Pastoral. Para ela, o voluntariado é um estado natural do ser humano, que necessita apenas ser despertado.


Dona Zilda nasceu em 1934, em  Santa Catarina, e foi lançada  "candidata à Presidência da República e candidata a santa"  pelo jornalista Fritz Utzeri,  em recente artigo no Jornal do Brasil. "O que faz essa mulher para  merecer a Presidência e até a santidade?", pergunta o articulista, e ele mesmo responde: "Simples. Ela evita o aparecimento de anjos".

'Simplicidade' é também uma palavra muito cara a dona Zilda. Depois de conceder esta entrevista, desligados os gravadores, ela acrescentou uma frase que exemplifica muito bem o seu modo de pensar: "A Pastoral só faz coisas simples e fáceis de serem replicadas em grande escala". Talvez ela não pense na Presidência, muito menos na santidade, mas deve alegrar-se com uma história simples como o encontro das irmãs Marta e Maria com Jesus, relatado no evangelho de Lucas. Enquanto uma era diligente, ativa e inquieta, sempre procurando resolver rapidamente todas as coisas, a outra deixava-se ficar aos pés do mestre para ouvir seus ensinamentos. "Mas por que tem que ser uma coisa ou outra?", deve ter pensado nossa entrevistada. Reunindo a atividade de Marta e a devoção de Maria, dona Zilda resolveu ser marta-maria, e não se fala mais nisso.

A equipe do Pasquim21, composta por Ziraldo, Zélio, Luís Pimentel, Zezé Sack e Caco Xavier, convidou  para participar desta primeira entrevista os jornalistas Marcelo Auler, Lena Frias e Fritz Utzeri, além de Fabio Pereira, estudante da PUC/Rio. Frederico Rozario fotografou.

Ziraldo - Eu participei das inúmeras entrevistas que a gente fez para o velho Pasquim e uma das mais agradáveis e inesquecíveis foi a do seu irmão, dom Paulo Evaristo Arns. Foi uma das últimas e foi muito  importante. Agora que estamos lançando um jornal com o mesmo nome do Pasquim, sabemos que não é a continuação do antigo, porque o tempo é outro. Não existe continuação com trinta anos de diferença, a história não se repete. A gente teve que decidir quem é que nós iríamos convidar para a primeira entrevista, e achamos que uma das pessoas mais significativas desse país, hoje, é a senhora. Foi unânime. A pergunta que eu vou fazer é a mesma que eu fiz quando nos encontramos lá no Fórum Mundial Social, em Porto Alegre: qual é o segredo do estilo de vida e do destino da família Arns?
 Zilda Arns - Eu creio que é a própria cultura da família, meus pais, meus avós... Isso faz parte do métier, da maneira de ser. A gente já se criou assim. Até hoje, quando escuto o badalar de um sino, me dá uma sensação muito agradável, levanta a alma.

Ziraldo - Sua família é de origem católica bem antiga?
Marcelo Auler - Já tinha religiosos antes dos seus irmãos?
 Zilda - Já tinha religiosos. Eu não sou a especialista da família. Em família grande, todos têm sua especialidade. O frei Crisóstomo, meu irmão mais velho, e Otília, minha irmã (que também foi professora de universidade).

Ziraldo - Arns é um sobrenome germânico mesmo.
Zilda - Arns é característico da nossa família. Se tem Arns, é parente. Este sobrenome vem da região da Mosela, na Alemanha. Eu até estive lá em 94, e ainda hoje cultivam uvas para vinho, fazem um vinho muito gostoso, que a gente bebe e não fica bêbado. Arns, August Arns. Ele era irmão do meu bisavô.

Ziraldo - Fale um pouco mais de sua família, que é tão grande.
 Zilda - Meu pai foi fundador de Forquilhinha, uma cidadezinha de Santa Catarina que nem aparece no mapa. Meus pais moravam em Capivari, que era cheio de morro. Vindos da Mosela, eles queriam procurar morros, porque o vinho fica mais gostoso quando é de uvas de encosta. Então foram para lá, mas não deu muito certo.

Ziraldo - Em que ano eles chegaram aqui?
Zilda - 1948.

Lena Frias - 1948? Não, dona Zilda, deve ser mil e oitocentos.
Zilda - É, 1848. Meus irmãos me matam se eu falar datas erradas. Passei pela Segunda Guerra Mundial quando era criança, e por isso não fui à escola alemã. Meus irmãos todos aprenderam o alemão clássico, menos os três últimos. Eu aprendi apenas o alemão falado, tradicional. Uma vez, quando fui à Alemanha, eu estava em uma reunião entre amigos e precisava ir ao banheiro. Então eu disse: "Gostaria de ir ao Paris". Ah, deram tanta risada. "Você quer dizer 'toilette'?" Isso porque os alemães, que estavam em guerra com os franceses, deram o nome de toilette a Paris.

Lena - Seus pais sempre estimularam os filhos a estudar, não é? A gente vê que toda a sua família tem uma formação boa.
Zilda - Eu me lembro que uma vez chorei porque papai vendeu um morro. Nós tínhamos um bananal e o seu Pedro, que morava lá perto, trazia uma carroça de bananas todo sábado. Nós tínhamos um porão onde guardávamos bananas de tudo quanto é qualidade. Ainda hoje, quando vejo banana, eu penso: "Ai, que saudade daquele tempo!"

Ziraldo - Olha! Alemão plantando banana!!!
Zilda - Banana assada na chapa é que era o mais gostoso de tudo. Fazíamos de tudo: torta de banana, doce de banana... Mas papai sempre deu muito valor aos estudos e, apesar de precisar, vendeu o morro para pagar colégio. Ele investiu muito. Ele não tinha nem o terceiro ano primário, mas tinha muita cultura geral...

Luís Pimentel - Ano que vem a Pastoral da Criança faz vinte anos. A senhora está plenamente satisfeita com os resultados obtidos até aqui? 
Zilda - Eu sempre agradeço a Deus, com toda a honestidade, pelo que a Pastoral fez e faz pelo Brasil. Eu acho que é realmente uma grande bênção para o Brasil inteiro. Acho que a Pastoral da Criança tem uma vivência ecumênica muito interessante. Nós temos muitas lideranças ecumênicas, de outras culturas. Em São Gabriel de Cachoeira, no Amazonas, nossa coordenadora da Diocese é uma índia. Temos uma Diocese onde a diocesana é da Assembléia de Deus. Eles são eleitos e são plenamente aceitos, quer dizer, se são eleitos é porque são bons.

Lena - A  senhora acha  que a Igreja  pode achar um  bom caminho no trabalho social?
Zilda - Eu acredito que os problemas sociais vêm de duas áreas: uma é da família, que forma o tecido social humano. Todos entendem que realmente a pessoa tem muito do que foi na primeira infância. Nós temos que cuidar desse tecido social, porque não adianta só 'ter'. Se 'ter' fosse suficiente, não haveria tanto desastre na classe média e na alta, onde não falta comida. A outra área é a das políticas públicas. Eu creio que na área do tecido social a pastoral está  fazendo um bom trabalho. Na área de políticas públicas, estamos vendo que podemos fazer também, mudando modelos de atenção.

Marcelo - Quando é que a senhora foi convidada pelo seu irmão para fazer esse trabalho?
Zilda - Em 1982. Eu era diretora de saúde materno-infantil. Fui seis anos pediatra clínica, depois montei um consultório nos fundos da minha casa, para eu não ter que sair e o filhos ficarem sem a mãe. Eu sempre tive a convicção, como médica e por toda a minha cultura, de que se a família não cuida da criança, ela se estraga. Tem que envolver a mãe e o pai. Eu já tinha a completa convicção de que mais de 90% dos males podem ser prevenidos se a gente apoiar a família. Mas a família também é sofrida, e dificilmente sai por si só do buraco. Em 82, estávamos no fim do governo de Ney Braga, e o Richa entrou. Ele era boa pessoa, e tal, mas eu pertencia à equipe anterior. Eu não era política, era diretora da Saúde Materno-infantil e, modéstia à parte, tinha feito um excelente trabalho. Consegui implantar a saúde materno-infantil em todo o Estado, fizemos um programa de aleitamento materno e outras coisas na televisão e a minha imagem ficou muito visível. Então quiseram apagar a minha imagem e me tiraram, me deixaram em uma sala sem fazer nada. Eu estava triste, sem ter o que fazer e vendo tantas coisas irem por água abaixo. De repente dom Paulo, que estava voltando de um debate sobre a miséria, em Genebra, me telefonou. Ele tinha conversado com James Grant, secretário-executivo do Unicef, e me disse: "Olha, Zilda, a Igreja pode salvar milhões de vidas ensinando às mães a reidratação oral".

Caco Xavier - Naquela época, isso era uma tremenda novidade.
Zilda - Sim. Só que eu, como diretora do Saúde Materno-Infantil, tinha sido escolhida pelo Ministério da Saúde para implantar o sistema no Paraná e, junto com a Universidade Federal do Paraná, havíamos já treinado e estudado bastante. Eu conhecia bem, mas Dom Paulo não sabia dessa história. Então eu disse para ele que, realmente, poderia ser assim, desde que se conseguisse que a família fizesse, porque os postos de saúde fechavam aos sábados e domingos. Ele disse assim: "O Unicef vai dar todo o apoio para você, eu já falei de você para eles". Nessa época, eu tinha cinco filhos e já era viúva há cinco anos, estava numa fase emocional equilibrada, tocando o barco para a frente. Eu disse para os meus filhos: "Eu sempre durmo cedo, mas hoje preciso ficar acordada. Vou tomar um café e fazer o plano que vai salvar milhões de crianças no mundo". Eu falei mais ou menos o que era ensinar as mães a cuidar dos filhos. Eles foram dormir, eu fiz o café e fiquei trabalhando.

Ziraldo - E eles apoiaram? 
Zilda - Eles me apoiaram muito. De noite eu me sentei e pensei: "Qual é a estratégia para chegar ao coração das mães?" Eu pensei na multiplicação dos pães e peixes. Como é que se multiplicou o pão e o peixe? Dois peixes deram para cinco mil pessoas, segundo o evangelho de São João. Eles se organizaram em pequenos grupos (como a comunidade de base de anos atrás), e trouxeram o que tinha entre eles. Eram dois peixes e cinco pães. Como alimentar aquela gente toda? Foi dada a eles uma bênção, e depois distribuíram. Não foi Jesus que distribuiu, foram os discípulos. Ele fez a avaliação: “Vede se todos estão satisfeitos". Eu sempre achei que, na saúde pública, o sistema de informação deveria ser mais claro, transparente, mais utilizável. Usava-se o sistema de informação para ver se as mães realmente estavam atendendo aos filhos como deveria ser.

Zélio - Naquela época não existia o espírito do voluntariado, como há hoje.
Zilda - Eu acho que o voluntariado está dentro da gente, o que falta é ser despertado. Qualquer pessoa tem vontade de ser voluntária, porque o voluntário dá, mas ganha muito mais quando trabalha com o espírito.

Marcelo - Nessa noite do café, quando planejou tudo isso, a senhora imaginava que ia atingir esse público?
Zilda - Eu estava plenamente convencida de estar no melhor caminho do mundo, porque faltava realmente cuidar dos males na sua raiz. Se a raiz é a ignorância, a miséria, a desigualdade, a solução está também aí. Eu pensei: "Se queremos reduzir a mortalidade infantil, não é só por diarréia. Não adianta só fazer o   sorinho se a mãe continuar dando mamadeira suja, a água continuar sem ser fervida, a comida estragada, e enquanto houver desnutrição e falta de vacina, entre outras coisas. Eu procurei juntar cinco ações básicas que naquele tempo se considerava pontos fundamentais. Primeiro: Saúde da gestante. Uma das coisas que eu aprendi com os franceses foi que se a gente cuidar bem da alimentação da gestante, da saúde, cuidar para que ela não fume e seja apoiada, a gente evita 90% dos problemas. Isso não era difícil de fazer. Segundo ponto: Aleitamento materno. Em toda a minha vida eu o propaguei muito, porque as crianças ficam muito mais saudáveis e tranqüilas. Terceiro: Pesar as crianças. Pela própria cultura do povo pobre, eles têm que enxergar resultados, a gente não pode ser teórico. O soro caseiro era uma das coisas, é uma coisa que vai do conhecimento deles para a prática. E a balança é um símbolo. O que mais? Vacinação. Na minha experiência, as mães só levavam as crianças para vacinar no posto quando tinha cesta básica. Elas não tinham educação para pensar: "Vou vacinar para o meu filho ficar protegido".

Zélio - Onde entra a multimistura?
Zilda - Nós então formamos uma rede, em grupos organizados, como no evangelho. Cada minicomunidade, nós dividíamos por micro-regiões. Havia uma área onde mais de 72% das pessoas eram bóias-frias que trabalhavam no canavial.

Ziraldo - Como nasceu o nome Pastoral da Criança?
Zilda - Primeiro era um programa de redução da mortalidade infantil, mas aí eu fui em um Conselho da CEP, Comissão Episcopal da Pastoral e daí nós decidimos que tinha que ter um nome. Tinha que ter 'criança' no nome, e dom Paulo falou em 'pastoral'. Pastoral quer dizer o bom pastor que vai atrás da ovelha desgarrada. Nosso objetivo é atender aos que estão em risco. Aí ficou Pastoral da Criança.

Marcelo - E a multimistura?
Zilda - A gente pesava as crianças e eu não queria cesta básica, porque eu acho humilhante. A cesta básica dava a ilusão à família de estar ganhando a comida que precisava. Então comiam tudo em uma semana e ficavam três sem comer, esperando a outra cesta básica. Além disso, eu, como administradora sanitária, via muita corrupção.

Pimentel - Por falar em corrupção, como é que a senhora consegue fazer o trabalho de checar possíveis desvios? Nós sabemos que as prefeituras no interior do país têm uma cultura muito grande de desvio de verba, desde a merenda escolar. Como a sua equipe consegue inspecionar direitinho essa verba da Pastoral que vai para esses municípios?
Zilda - A verba da pastoral não vai para os municípios, Deus me livre! Nós, para gastarmos muito pouco em burocracia, sempre centralizamos a burocracia e descentralizamos a missão. Mais de 70% das verbas vai em dinheiro para as bases e as bases decidem no que aplicar. Mas elas prestam contas para nós e nós para as fontes, para evitar que elas tenham que correr atrás de dinheiro. A própria diocese, que é uma micro-região, com cerca de 20, 30 municípios (algumas menos, outras mais), vai localizando municípios pobres ou, nos municípios, as áreas mais carentes. A gente então trabalha naquelas áreas, apresenta a Pastoral, que hoje já é bastante conhecida. Aí são identificados líderes dentro da própria comunidade. Eles são fermento na massa, promovem lideranças pobres e o pobre trabalha com o pobre. As equipes que treinam essas pessoas muitas vezes são profissionais, de classe média ou da classe pobre, que já têm prática, são pessoas com uma maior formação.

Pimentel - Políticos não põem a  mão em recursos?
Zilda - A gente não diz que não põem ou deixam de por, mas o que  não pode é fazer propaganda através da Pastoral da Criança. Tem agentes  nossos que são do PT e de outros  partidos, só que não podem ter uma bandeira política. Somos suprapartidários.

Fábio - 90% dos voluntários da  pastoral é composta por pobres e   negros, não é?

Zilda - A maioria é pobre. Desses  que trabalham na Pastoral da Criança, a metade é negro e são  a maioria entre as lideranças.
Zezé Sack - Ela falou da cesta básica, falou da corrupção, mas  ainda não falou da mistura...

Ziraldo - Como é a estrutura burocrática da Pastoral? Onde é a base?
Zilda - A base é em Curitiba. Funcionou no fundo da minha casa por 16 anos, onde era o consultório de pediatria. Eu comecei a trabalhar em casa, meus filhos foram casando e aí começamos a ocupar os quartos. Quando Jaime Lerner entrou para a Prefeitura, a esposa dele me fez uma visita e eu disse que a minha casa estava muito pequena. Em um quarto tinha três escrivaninhas, com um telefonando, outro planejando. E eu não tinha condições de guardar material educativo, essas coisas. Aí ela arranjou o Lar das Meninas Hermínia Lupion, doado por um fazendeiro. Hoje nós estamos muito bem instalados, é um privilégio.

Ziraldo - Como é a organização? Tem funcionários, salário, férias?
Zilda - No começo era só eu e uma secretária cedida pela Secretaria de Saúde. Depois a Unicef pagou uma secretária para me ajudar. Depois, quando nós fizemos convênio com o Inamps, em 87, passei a precisar de um contador. Então nós fundamos a Anapac (Associação Nacional de Amigos da Pastoral da Criança), que são voluntários que colaboram com a Pastoral. Hoje, entre office-boy, digitadores e empacotadores, nós temos 40 funcionários.

Lena - A pastoral é sustentada por várias fontes... 
Zilda - Deixamos bem claro de onde vêm os recursos e para onde vão, mas entre 70% e 80 % vêm do Ministério da Saúde.

Ziraldo - Só agora ou sempre veio?
Zilda - Nos primeiros três anos o Unicef pagava as despesas. Hésio Cordeiro era o presidente no Inamps, e eu fui falar com ele e disse que estávamos expandindo, que o dinheiro do Unicef não estava dando para a expansão, que tínhamos que treinar as pessoas e precisávamos viajar. Nós tínhamos reduzido a  mortalidade e ele ficou entusiasmado e mandou duas médicas para Ipiranga e Bragança Paulista, em São Paulo, para verem se a coisa era realmente do jeito que eu estava falando para ele. Elas ficaram muito entusiasmadas.   Foram visitar mães, assistiram ao 'dia do peso', viram treinamento de lideranças e deram  um parecer positivo. Aí o Hésio telefonou para Curitiba, dizendo: "Olha, pode vir, nós queremos fazer o convênio".  Isso era uma novidade para a CNBB e também para ao Inamps, que nunca tinham feito esse tipo de convênio.

Marcelo - Como está parecendo que a gente não vai falar mesmo da multimistura, eu queria fazer uma pergunta política, lá de trás, quando a senhora é chamada por dom Paulo, faz um plano e ele acaba sendo levado para a reunião dos bispos...
 Zilda - Eu fiz esse plano em casa, baseado no evangelho de São João: pequenas comunidades, lideranças treinadas, imbuídas de um espírito fraterno de solidariedade, de forma suprapartidária e supra-religiosa.

Marcelo - A CNBB aceitou desde o início? O conjunto dos bispos aceitou logo ou, por ter vindo da família Arns, teve alguma resistência? 
Zilda -Eu levei para o Unicef primeiro, porque tinha que ter uma fonte financiadora. De lá nós fomos à CNBB, na Assembléia dos Bispos. Nós apresentamos durante a Assembléia e eles acharam melhor começar com uma paróquia, porque era uma novidade. Eles escolheram começar por Florestópolis, no Paraná, e depois ir multiplicando. Houve resistências internas e externas. Os mais progressistas achavam que ensinar soro caseiro não bastava, que o governo é que tinha que fazer o saneamento. Só que até ele fazer o saneamento, morrem as crianças. E os mais tradicionais diziam: "Vão pesar crianças? Deveriam evangelizar". E outros diziam assim: "Esse é um trabalho que o governo é que deveria fazer. Agora vão fazer convênio com o governo corrupto?" Mas o governo não é administrador do nosso dinheiro, não foi eleito pelo povo? Não é melhor que ele ajude a Pastoral a aplicar bem? O governo é nosso! Eu não queria procurar verba no exterior, porque acreditava que o Brasil tinha que dar conta das suas crianças. Eu não procuro verba no exterior, além do mais porque essa verba vem por três anos, depois pode ir para a África e a gente fica num mato sem cachorro.

Marcelo - A senhora falou que dentro da Igreja encontrou resistência pelos mais diversos motivos. E entre os políticos, houve resistência? Entre prefeitos, no interior, por ignorância ou por medo...
Zilda
- No começo, vou confessar, eu escondia a Pastoral da Criança, eu queria protegê-la. Era uma planta frágil  tinha  que apanhar sol e ser protegida da chuva de pedras. Mas ela foi crescendo e alguns prefeitos, mais inteligentes, deram valor, enquanto outros não. Quando alguém me perguntava "como é que eu posso ajudar?",        eu dizia: "Valorize a Pastoral da Criança, faça uma visita, incentive". Nós não damos muito valor à estrutura física, só à ação, à participação.

Lena - A dimensão da miséria no país é muito grande, você viaja por aí e vê. Quantas Zildas Arns seriam necessárias para minorar essa questão?
 Zilda - Em vez de Zildas Arns, eu diria assim: "Quantas lideranças comunitárias precisam ser motivadas para mudar o país?" O importante é a gente valorizar o potencial humano das comunidades pobres. Tenho lideranças que dizem para mim: "Eu não era gente, agora me sinto uma doutora". Quer dizer, está transformando a sua comunidade.

Lena - A senhora diria que essa é uma ação revolucionária da Igreja?
 Zilda - É revolucionária. A gente não precisa de Zildas, mas de lideranças comunitárias capacitadas. Essas são as pessoas mais importantes para transformar o Brasil.

Marcelo - Ou seja, esse trabalho da Pastoral não é uma questão só de evitar a mortalidade infantil, é uma questão de conscientização, de cidadania. A senhora acha que esse povo da Pastoral, em outubro,    vai depositar um voto mais consciente na urna? Sei que a senhora não gosta de misturar política com a Pastoral, mas na medida em que há uma conscientização, não está havendo uma politização, no bom sentido?

Zilda - Eu não posso dizer que eles votam nos melhores, porque a população carente não acredita muito assim em promessas não palpáveis. Se eles ganham o favor de um político, eles ainda se deixam vender. A gente tem que politizar. A missão da Pastoral também é politizar, mas não partidarizar. Nós temos até um livrinho só para o tempo de eleições e que a gente distribuiu no Brasil inteiro. O perfil do candidato que eu gostaria é o de uma pessoa preparada, que saiba administrar com as  tempestades  globalizadas e que, além da estabilidade da moeda, faça com que haja mais desenvolvimento para gerar mais empregos e cuide da saúde e da educação.

Lena - O trabalho de alfabetização faz parte da Pastoral da Criança?

Zilda - Sim, temos mais de 40 mil alfabetizandos este ano. É um braço para reduzir a mortalidade infantil, porque a mãe alfabetizada tem mais capacidade de cuidar. Iniciamos também um programa da Terceira Idade, porque nós temos agentes da terceira idade e agentes que têm pais e mães nesta faixa, com pressão alta, urina solta, com insônia, muitos problemas. Eles pediam: "Como é que eu ajudo a minha mãe?" Daí a Sociedade de Geriatria se apaixonou pela Pastoral da Criança e nos ajudou. Não queremos desenvolver muitas coisas, porque nós não gostamos de multiplicar as ações quando não temos pernas para fazer. Jaime Lerner nos deu o dinheiro para que pudéssemos fazer a pesquisa para desenvolver a metodologia, que é igual a da Pastoral da Criança: formar líderes que visitam famílias.   Nós só ensinamos como prevenir quedas dentro de casa, vacinar contra pneumonia e gripe, tomar dois litros de água por dia. Nós estamos fazendo isso aí, mas querendo entregar para uma outra Pastoral da Terceira Idade se for criada.

Pimentel - E a indicação para o prêmio Nobel da Paz?

Zilda - A Pastoral já ganhou o seu prêmio salvando vidas. Se ganhasse o Nobel, seria bom para o Brasil, seria bom para as lideranças, e seria bom para o mundo saber que é possível prevenir a violência. Na Pastoral, estamos construindo redes comunitárias de solidariedade humana, multiplicação do saber, pontes. E as nossas comunidades são muito menos violentas comparadas a outras que não têm esse trabalho. Nós temos umas técnicas que inventamos para a gente discutir de forma participativa problemas comunitários  e soluções comunitárias. Mas eu estava falando de uma coisa e não terminei... o que era mesmo?

Marcelo - O prêmio Nobel.
Zilda - Ah, sim. Hoje eu estava no aeroporto de Curitiba e ouvi que este ano foram indicados...

Lena - ... o George Bush e o Tony Blair. Pro Prêmio Nobel da Paz!

Zilda - Quando eu vi aquele desastre de 11 de setembro, eu estava em Brasília, e pensei: "É difícil ganhar prêmio Nobel com atitudes que promovam a paz. É mais fácil, depois que o desastre acontece, premiarem os que conseguem restringir a violência, apesar de ter custado tantas vidas". A cultura da paz precisa ser conquistada.

Caco - E os planos para o futuro, a médio prazo, longo prazo? Há planos que fogem um pouco dessa necessidade de 'apagar os incêndios', em direção à construção da cidadania?

Zilda - Nós estamos querendo difundir mais rapidamente as informações, e por isso fizemos um convênio com o BNDES para informatizar 200 micro-regiões do país, tê-las ligadas em rede, todas as dioceses. [Chega à redação o jornalista Fritz Utzeri, que recentemente escreveu, no Jornal do Brasil, o artigo 'Zilda, a mulher de verdade', sobre dona Zilda Arns e o trabalho da Pastoral da Criança.]

Marcelo - Dizem que os alemães e descendentes de alemães têm sangue muito frio, dizem que são até um pouco insensíveis. Conta pra gente alguma história que lhe emocionou, alguma experiência dessas suas andanças pelo Brasil que lhe tenha marcado muito.
Zilda - Eu sou bastante emotiva, mas eu me controlo porque fui esportista e a gente aprende a se controlar um pouco. Eu vou contar uma história bonita. Quando eu encontrava muita resistência, veio uma pessoa (que não vou contar quem foi, pois hoje é fã da Pastoral), sem me cumprimentar, disse: "Ali está a LBA da Igreja". Ele relacionava a Pastoral àquela burocracia, àquela coisa ruim. Eu fiquei muito magoada. Eu rezava: "Meu Deus, sei que estou no caminho certo, mas me dá um sinal para ver se eu devo continuar ou se devo largar mão e cuidar da minha família". Aí eu viajei para o Maranhão, onde eu tinha estado três meses antes na favela do Coroadinho, da paróquia Nossa Senhora da Glória. Eu fui lá, e treinamos as lideranças. Depois de seis meses, eu tinha o hábito de voltar para ver como é que estava indo. Quando eu cheguei no aeroporto, frei Eurico estava lá e eu pedi para ele me contar como   ia a Pastoral. Ele falou: "Oooh, amanhã a senhora vai ver". Eu pensei: "Acho que não deu em nada, o sinal está aí".

Marcelo - Começou a arrumar as malas para voltar para casa?
Zilda - Antes de dormir, fiquei matutando: "Que engraçado, o pessoal parecia tão entusiasmado". Quando eu cheguei na frente da capela, não tinha ninguém me esperando, ninguém. Aí eu pensei: “O sinal está dado. Aquelas mulheres tão entusiasmadas nem vieram me receber". Mas quando abriram a porta, a capela estava cheia de gente e as crianças jogando pétalas de rosa (não sei onde que arrumaram tantas pétalas) e eu me emocionei tanto, tanto, que eu cheguei lá na frente e pensei: "Meu Deus, eu pedi um sinal, mas não precisava dar um sinal tão forte assim não!"

Marcelo - E qual foi um caso que lhe doeu o coração?
Zilda - Em todas as partes a gente viu o desprezo pelo trabalho comunitário, isso sempre dói.


Pimentel - Onde está a maior pobreza no Brasil, no Maranhão ou no Piauí?
Zilda - Em Alagoas. Está melhorando agora. No Maranhão e no Piauí também tem muita miséria, mas as comunidades da Pastoral estão reagindo. Uma rede de solidariedade humana multiplicando os pães e peixes sob a forma da solidariedade e da informação, porque a informação tem o maior poder de inclusão social.

Marcelo - A senhora esbarrou com a questão do tráfico e do consumo de drogas?

Zilda
- Aqui no Rio, estive há uns quatro anos atrás em um morro dominado pelo tráfico. Eu fui com o pessoal da Cúria e eles tiveram que pedir licença para entrar, mas não nos deixaram.

Ziraldo - Eles chegaram a impedir que vocês fizessem o trabalho?
Zilda - Tivemos que entrar por um outro lugar. A pastoral não se mete com nada. O nosso objetivo é combater a mortalidade infantil, a desnutrição e a violência, preservando o ambiente em que a criança está. Nós trabalhamos em qualquer ambiente e a gente não procura se meter nisso, porque a gente quer salvar as crianças.

Ziraldo - Em algumas comunidades o índice de mortalidade é zero.
Zilda - Mais dois mil municípios com índice zero. Não em todos os municípios, mas nas comunidades da Pastoral da Criança. Tem uma série histórica que você pode acompanhar pelo sistema de informações. Florestópolis, onde começamos, tinha um índice de 127 por mil, e hoje não tem nenhuma morte.

Marcelo - O fato de haver ligação com a igreja lhe cria dificuldade com outras religiões, como os evangélicos?
Zilda - Já quando trabalhávamos no primeiro município, Florestópolis, eu disse: "Eu quero todas as religiões na Pastoral da Criança".

Lena - E entre as religiões afro?
Zilda - Na Bahia, temos muitas líderes negras, são pessoas fantásticas. Eu me sinto tão bem no meio dos negros. Quando recebi o título de Cidadã Honorária da Bahia, os negros era mais de 90% do público que estava na Assembléia prestigiando. A Pastoral não quer saber o que você pensa, se você é homossexual, prostituta ou outra coisa, nós queremos salvar as crianças onde elas estão em risco. Essa foi a filosofia desde o início.

Fritz - Dentro do quadro geral desse Brasil de 50 milhões de miseráveis, quantos por cento do problema vocês pegam?

Zilda
- Das crianças menores de seis anos e suas famílias? Eu diria que nós estamos em torno de 9% apenas. Se nós contarmos os pobres, nós podemos pôr assim 18%. Nesse livro que eu dei para vocês tem um gráfico com a cobertura por estado e quanto custa cada criança.

Lena - E quanto custa? É caro?

Zilda - Menos de um real.

Fritz - Me explica, então, por que os governos, em todo o momento, dizem que para botar uma criança na Febem, gasta-se mil e não sei quantos.
Zilda - Aí é que está a irracionalidade dos Estados Unidos e de tantos governos. Por que não trabalham na prevenção? Quando está estragado é que vão atrás? Por que existe tanta violência no Brasil e no mundo? O Bush pediu quantos milhões para o ano que vem? Por que não emprega isso para saúde e educação? Por que a nossa dívida externa não se transforma em atividade social?

Lena - É por causa das indústrias...
Zilda - Interesses econômicos. Só que o mundo está indo para uma situação que não é boa nem para os ricos. Os próprios Estados Unidos já foram vítimas. Tem que pensar em outro modelo que valorize também a prevenção. Só  que você tem que ter a consciência não só do governo, mas também da sociedade, de que é preciso investir. Esse um real é pouco, mas é necessário. Se você não tiver nenhum dinheiro, como vai capacitar, mobilizar? Nós temos programas de rádio, temos jornal.

Ziraldo - A senhora tem uma estação de rádio?
Zilda - Nós trabalhamos com transmissoras voluntárias. São 15 minutos semanais. Nós produzimos e temos uma rede voluntária de comunicadores que nem sempre são jornalistas, mas que fazem programas de rádio. São 600 jornalistas na rede e 1200 voluntários.   Nós produzimos matérias para o pessoal aprender. A gente tem um jornal, o "Dicas" que é um jornalzinho só para multiplicadores, quase sete mil equipes.

Marcelo - A Pastoral recebe doações do cidadão? Se o Joaquim ali da esquina resolve doar um real por mês, ele tem como fazer isso?

Zilda - Tem, nós recebemos via conta de luz. Começou no Paraná, com a Copel, depois foi para Alagoas, Bahia, Santa Catarina e Mato Grosso. No Paraná, vocês podem acessar esses dados: 90% das pessoas doam um real ou menos. Quer dizer, são pobres que doam.
Fritz - É o óbulo da viúva.

Marcelo - Mas vocês fazem alguma campanha ativa?
Zilda - Nós tentamos fazer, em rádio, televisão, papel, mas não deu em nada... Então, começamos a fazer nas paróquias. De novo começou de baixo para cima, treinando líderes para preencherem o negócio.

Marcelo - A Pastoral da Criança já chegou nos índios?


Zilda - Sim, em muitos. Sete mil e quinhentas crianças indígenas. 18% das crianças indígenas estão na Pastoral da Criança.

Fábio - Uma pergunta de católico: essa prática religiosa da Pastoral, que procura promover o ecumenismo, a educação popular, esse é um novo modelo? A igreja do futuro é assim? Onde as mulheres são 90%, os leigos são quase a totalidade. Esta é a igreja do futuro?
Zilda - Eu diria que é a presença da igreja no meio do povo, e não deixa de ser um sinal dos tempos.


Marcelo - Mas isso não foi um pouco freado pela gestão do papa atual?

Zilda - Não costumo jogar a culpa nos outros. Eu vejo o jeito que tem que ser e vou lá e faço. E no fim, pelos resultados, eu me imponho. Essa Pastoral não recebeu espaço, ela conquistou espaço.

Ziraldo - Uma das ações importantes, além do soro caseiro e da multimistura (ainda não falamos dela!), é pesar a criança.
Zilda - Nós temos três caminhos para a difusão da solidariedade: uma é a visita mensal. Há mais de um milhão de famílias visitadas em todo o Brasil. As líderes visitam as famílias e tentam reproduzir para elas o que aprenderam. Em segundo lugar, nós pesamos as crianças em mais de 30 mil comunidades em todo o Brasil. O 'dia do peso' é o dia da festa da vida, porque se canta, as crianças vêm até a balança.

Ziraldo - Como surgiu o 'dia do peso'?
Zilda - Eu inventei. Em São Paulo, o sistema quis reagir: "Nós temos um posto de saúde na favela e a senhora inventa pesar em casa". Então nós dissemos o seguinte: "Vocês pesam e nós fazemos as outras ações, menos pesar". Mas quando eu fui perguntar para as líderes quantas crianças havia desnutridas, elas respondiam: "Ah doutora, a senhora tem que ver lá no posto, porque é lá que pesam". Aí eu percebi que a gente tem que pôr a mão na massa. São "as minhas crianças".

Ziraldo - Dona Zilda, o que é que nós do Pasquim podemos fazer pela Pastoral da Criança? Essa lição de cidadania que a Pastoral dá, o que nós podemos fazer?
Zilda - Como diz o evangelho, a luz não é para ser colocada em baixo da mesa, é para iluminar. Então, eu creio que vocês têm muita missão de iluminar, de incentivar para que as comunidades se animem. E, como eu disse, a cultura da paz ainda está para ser conquistada.


FINALMENTE, A HISTÓRIA DA MULTIMISTURA

Zilda - Uma criança, para deixar ser desnutrida e subnutrida, não precisa só de comida. Eu vi creches com bastante comida e crianças subnutridas, com carência de atenção. Elas ficam doentes toda hora, têm diarréia, não são vacinadas, pegam sarampo. A saúde precisa de mais do que só comida. A idéia da multimistura surgiu depois de três anos trabalhando com desnutridos. Eles iam melhorando, mas com muita dificuldade.
Um dia, eu fui convidada pela Associação de Enfermeiras para dar uma palestra sobre aleitamento materno e seus benefícios. Depois da minha palestra, assisti a uma palestra da Clara Takaki Brandão, uma japonesa que, numa creche de Santarém, no Pará, recuperou várias crianças com farelo de trigo, farelo de arroz, casca de ovo e outras coisas mais. Eu achei interessante (casca de ovo e farelo tem em todo lugar) e, quando ela terminou a palestra, eu a procurei: "Você não gostaria de nos ensinar?" Ela era do Inamps. Eu liguei para o Hésio Cordeiro, para ela poder trabalhar com a gente, e ela ficou com três anos.



Ziraldo - De onde ela tirou isso?
Zilda - Ela é médica nutróloga, ela mesma desenvolveu a mistura. Só que ela era bastante fechada nas receitas. Nós ouvimos muitas críticas, procuramos em universidades e depois já estávamos colocando soja (onde tivesse soja), amendoim (onde tivesse amendoim), gergelim, pupunha (lá no Norte temos muita pupunha, que é riquíssima)... Fomos aprendendo, fomos melhorando e aquilo virou multimistura. Por isso não há uma patente da multimistura, porque não há duas comunidades iguais. A casca de ovo é triturada.  A gente lava, ferve, tritura e depois ela é peneirada, até virar quase um pó de arroz branco. É muito bom. Na minha experiência, quando as galinhas botavam ovos lá em Forquilhinha, se eu pisava em cima e quebrava o ovo, a minha mãe dizia assim: "Está com falta de cálcio". Então a gente guardava as cascas de ovo, ela torrava e a gente amassava, misturava com o milho e dava para as galinhas. Três dias depois, os ovos não quebravam mais.

Fábio - Como a senhora regionaliza a mistura?
Zilda - Eu não regionalizo, o povo é que regionaliza, inventa e faz. E nós incentivamos a produção comunitária, porque não é só a multimistura, são os laços de solidariedade, fortalecimento, amizade.  A gente quer que a produção seja pequena, para não perder a comunidade, já que a multimistura estraga fácil.

Marcelo - Isso já está em uma cartilha? Alguém já se preocupou em fazer uma cartilha com essas receitas?
Zilda - Nós temos, mas são tantas. A gente não gosta muito de passar receitas para não ficar muito quadrado. Mas temos receitas sim, temos apostilas regionais, o pessoal vai trocando entre si. Nós trabalhamos muito também com ervas medicinais. 90% das comunidades trabalham com elas, e também passam receitas em seus livrinhos.

Ziraldo - A senhora já experimentou muito a multimistura?
Zilda - Demais. Só me fez mal uma fez. Eu estava no Alto Solimões, 40° de temperatura, andando de barco e juntaram gente de tudo o que é comunidade. Cada uma fez um prato para dar para a dona Zilda. Fizeram um salão cheio de pratos e eu tinha que experimentar. Chega a uma certa altura e você não consegue mais comer, mas o pessoal pedia: "Só um pouquinho, só um pouquinho". Já viu, né?

Caco - A mistura das multimisturas


Lena - Então não foi bem a multimistura, foi a mistura...

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O melhor conselho que recebi

Publicado pelo site de Época, no dia 31 de dezembro. Guardei para refletir os relatos de algumas pessoas que têm algo de útil pra falar (e fazer).



Pense em como ajudar as crianças

"Eu era viúva havia cinco anos e estava tomando lanche com meus cinco filhos à noite, quando o telefone tocou. Era maio de 1982. No telefone, estava o meu irmão dom Paulo Evaristo Arns, na época o cardeal de São Paulo. Ele me contou que vinha de uma reunião da ONU. Eles pediram a dom Paulo que pensasse sobre como a Igreja poderia ajudar a expandir o uso do soro oral para as mães, com o intuito de evitar a desidratação, causada pela diarreia. E ele me aconselhou a pensar em como fazer isso. Foi, para mim, um momento de muita emoção. Na ocasião, eu era diretora da Saúde Materna Infantil do Estado do Paraná e o partido político no governo havia mudado. Apesar de eu não pertencer a nenhum partido político, eles me tiraram da direção da Secretaria da Saúde. Eu me sentia subutilizada quando dom Paulo me telefonou, parecia que Deus estava me abrindo uma grande porta: ensinar as mães a cuidar melhor de seus filhos. Depois que meus filhos foram dormir naquela noite, eu planejei a Pastoral da Criança inteira. Eu queria salvar vidas."

Zilda Arns, 75 anos, médica, sanitarista

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Kobune

Depois de alguma procura, encontrei hoje na Rádio Uol a versão japonesa de "O barquinho", de Ronaldo Bôscoli e Roberto Menescal: para ouvir "Kobune", na voz de Fernanda Takai, clique aqui.

Politicômetro

O teste da Veja apontou que eu sou antiliberal de centro esquerda, que "permite certas restrições à liberdade individual". Acho que não é bem assim não, mas vamos rever posicionamentos.

Faça também, clicando aqui.

"Você sabe quem é este homem, mas não conhece sua história"



Assistir ao filme que conta a vida do presidente Lula desperta dois tipos de tristezas. A primeira delas é reconhecer que as mazelas sociais do Brasil de cinco, seis décadas atrás são praticamente (para não dizer totalmente) as mesmas. A outra é devida a uma enorme sensação de fracasso. O filme passa uma sensação de pobreza, ultrapassa o tempo pincelando a história sem grandes profundidades – nem na vida do presidente, nem nos rumos do Brasil. Passa a impressão de ter sido feito às presas, nas coxas, o que talvez acirre as línguas que insistem em afirmar que “Lula – o filho do Brasil” é uma película meramente eleitoreira. Mas talvez o filme de Fábio Barreto não mereça uma descrição tão simplória. Independente de qualquer coisa, é bom lembrar que ele conta uma história surpreendente (embora todo mundo já conheça o final).

Baseado no livro homônimo escrito pela jornalista Denise Paraná, o “Lula – o filho do Brasil” das telas confunde o expectador pelas quebras abruptas na história de Luis Inácio da Silva, pernambucano, retirante, filho de Aristides (homem nordestino, beberrão, que bate na mulher e filhos) e Dona Lindú, mãe forte que acaba se tornando o eixo do contexto. A construção empobrece a história do torneiro mecânico que virou presidente do Brasil de tal forma que pouco se salva. Exceto pela história em si e pela atuação de Glória Pires (Dona Lindú), que dispensa predicados, e de Rui Ricardo Diaz (Lula), não sobra grande coisa.

Rapidamente, segue o seguinte: Dona Lindú, grávida do sétimo filho, vê o marido, Aristides, ir embora para o sudeste, como faziam (ainda fazem) vários pais de família. Ele segue com outra mulher, também grávida. Na cena seguinte, Lula nasce pelas mãos de uma parteira. Já grande, conhece o pai, quando vai com a família para Santos. (litoral de SP) Abrem-se cenas de agressão paterna. Lula se forma torneiro mecânico pelo Senai (aí sim, uma cena dignamente emocionante), começa a trabalhar, perde o dedo.




Com a indenização, compra uma casa e casa-se com Lurdes, que morre por falta de cuidados médicos, na hora do parto. Lula fica sem a esposa e sem o filho e, para aliviar a dor, se envolve com o sindicato dos metalúrgicos. Na sequência, conhece Marisa, uma jovem viúva com um filho pra criar. Ziza, irmão irmão de Lula, é preso pelo DOI-CODI em plena ditadura, por comunismo.

Vira presidente da classe, lidera greve, perde o pai (que morre de cirrose), casa com Marisa. Morre Dona Lindú, em 1980. Em 2003, Lula é eleito presidente. E o resto, você já sabe (é bom que saiba, por que o filme acaba aí). Nesse pique.


Faltou trilha, faltou fotografia. Bom roteiro perdido. As expectativas para a bilheteria estão sendo revistas, já que não atingiram o esperado nas duas primeiras semanas de exibição. A ideia é que chegue aos 2 milhões de expectadores, muito aquém dos também brasileiros “Se eu fosse você 2” e “Dois Filhos de Francisco”, que ficaram nas margens dos 5 milhões, mas muito para os "padrões da indústria nacional", dizem.


Ah, uma coisa chama atenção. Logo no início, o expectador fica sabendo que o filme não recebeu dinheiro público. Todos os R$ 16 milhões, que fizeram de “Lula – o filho do Brasil” ser o filme mais caro já produzido no País, vieram da iniciativa privada.


Ah, bom saber. Mas, para tirar a prova dos nove, confira.

Fotos: Otávio de Souza

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Herivelto e Dalva, por Maria Adelaide Amaral


Eu sou grande apreciadora do trabalho de Maria Adelaide Amaral, que agora assina “Herivelto e Dalva”, que estreou ontem na TV Globo, uma adaptação de “Minhas duas estrelas”, biografia do casal Dalva de Oliveira e Herivelto Martins, escrita pelo filho Peri Ribeiro. A julgar pelo primeiro capítulo, este é mais um bom fruto do sentimentos de Adelaide, mas deixemos o veredicto pra o fim da semana, quando terminar a série. A quem interessar, estes são os links já disponíveis no youtube:
 



Comecei a prestar mais atenção em Maria Adelaide Amaral em janeiro de 2008, quando a Globo começou o ano com a minissérie “Queridos amigos”, adaptação da obra da própria autora “Aos meus amigos”. Às vésperas daquela estreia, a autora me concedeu uma entrevista por e-mail, falando daquele e de outros trabalhos que assina, diria eu, com talento e delicadeza admiráveis.

Divulgação TV Globo / Bob Paulino
1. Quais são os temas mais abordados na sua obra?
Na minha obra teatral e literária, sem dúvida, os temas predominantes são os jornalistas e seu universo.

2. Como eles são escolhidos, como você chegou à temática?
Trabalhei 20 anos na (editora) Abril. Vivi nesse universo e convivi intensamente com suas personagens, sendo eu mesma, uma delas.

3. Quais fatos estão retratados em "A Resistência" e em que ano foi escrito?
A peça foi escrita em 1974, no momento em que estávamos vivendo na Abril aquilo que em linguagem jornalística se chama de “passaralho”, que é demissão em massa. Foram demitidas mais de 100 pessoas naquele ano.

4. Qual seu primeiro texto que virou novela?
Comecei em 1990 na Globo, como colaboradora do Cassiano Gabus Mendes em “Meu bem, meu mal”. Depois trabalhei com o Silvio de Abreu em duas novelas, “Deus nos acuda” e “O mapa da mina”. Minha primeira novela foi “Anjo mau”, um remake de uma obra do Cassiano. “A Muralha” foi inspirada no livro da Dinah Silveira de Queiroz, “Os Maias”, do Eça (de Queiroz, escritor português); e “A casa das sete mulheres” no livro da Letícia Wierzchowski.
Em “Um só coração” e “JK”, falei de pessoas reais ancorada nos livros (e foram muitos) que falavam sobre a sua história e da História do período em que viveram. Agora (em janeiro de 2008), com a minissérie “Queridos Amigos”, adaptação do meu romance “Aos Meus Amigos”, é a primeira vez que escrevo uma obra inteiramente minha para a TV. No teatro e na literatura quase sempre fiz isso.

5. "Cemitério sem cruzes" foge muito da sua temática habitual?
Escrevi “Cemitério sem cruzes” para a Feira Brasileira de Opinião, organizada pela atriz e empresária Ruth Escobar, que não aconteceu porque foi proibida em bloco pela censura. Cada um dos autores foi chamado a escrever sobre um problema do momento. Escolhi os operários da construção civil, nordestinos vivendo em condições subumanas nos canteiros de obras de São Paulo.

6. Podemos separar as suas obras em fases? Quais seriam?
Minha obra teatral tem uma fase voltada para o social até 1983. “Chiquinha Gonzaga, Ó Abre Alas”, desse ano, é uma biografia musical com tom épico, que na verdade é a primeira peça sob encomenda, como seria “Mademoiselle Chanel” e “Tarsila”, muitos anos depois, as duas também de caráter biográfico. Em 1984, abre-se a fase das peças intimistas com de “Braços abertos” que prosseguiria com “Para tão longo amor”, “Querida mamãe” e “Intensa magia”, todas montadas nos anos 90.

7. Qual o melhor dos seus protagonistas (homem ou mulher) e quem o interpretou com a fidelidade esperada?
Sérgio e Luisa da peça de “Braços abertos” interpretados por Juca de Oliveira e Irene Ravache - os dois antológicos. Mauro Mendonça foi um extraordinário Alberto em “Intensa Magia”. Marília Pêra foi a própria Mademoiselle Chanel. Na televisão, Camila Morgado em “A casa das sete mulheres” e Wagner Moura em “JK”.

8. Você tem uma obra sua preferida?
No teatro de “Braços Abertos”. Na literatura “Aos Meus Amigos” e na televisão destacaria “A muralha” e “Os Maias”.

9. E de outro autor?
No teatro, “Rasga coração” de Oduvaldo Vianna Filho, e na literatura, “Memorial do convento” de José Saramago. Na televisão, a minissérie “Anos Dourados” de Gilberto Braga.

10. O que há de Portugal em suas histórias?
Em 1993, em Portugal, uma jornalista me ligou para marcar uma entrevista na RTP e desculpou-se por não conhecer a minha obra. Deixei na portaria do hotel o romance “Luisa”, que tinha inspirado de “Braços abertos”, que estava estreando naqueles dias em Lisboa.
Quando nos encontramos para a referida entrevista na televisão ela me disse que tinha encontrado no romance a minha alma portuguesa. Acho que ela se referia ao pathos lusitano que, apesar de mais de 50 anos no Brasil, continua impresso em mim, como um DNA.

11. Do que fala o romance "Aos meus amigos"?
O que motivou o romance foi o suicídio do Décio Bar, em 1991. Estudamos juntos no Colégio Estadual de São Paulo e nos reencontramos na Editora Abril, na década de 70. Ele foi uma das pessoas mais brilhantes que conheci: poeta e escritor, arquiteto, artista plástico, cineasta, jornalista. Era também muito exigente a respeito do seu trabalho.
Décio influenciou meu gosto e minhas preferências ou idiossincrasias culturais. Sua morte me abalou profundamente e mobilizou a vontade de falar sobre ele e nossa geração. É a história de qualquer geração que lutou para mudar a História e a mudou de certa maneira. É, sobretudo, uma história de fraternidade, de solidariedade, de tolerância e de afeto, muito afeto, sempre.
                             Divulgação TV Globo / Bob Paulino


12. Quem são seus amigos?
Lídia Aratangy, Milu Villela, Elio Gaspari, José Arthur Gianotti, Irene Ravache, Regina Braga, Drauzio Varella, Alcides Nogueira, Silvio de Abreu, Moema Cavalcanti, filha de Paulo Cavalcanti, que também era meu amigo. São tantos, tenho tantos amigos, graças a Deus. Alguns são psicanalistas, outros atores, jornalistas, médicos e até astrólogos como a Graziella Marraccini e a Graça Medeiros.  Continuo mantendo amizade com muitos colegas da Abril e realmente constituímos uma família de eleição como está referido na minissérie. Entre eles estão Vicente Adorno, Isabel Raposo, Della Luz, Carmen Righetto, Carolina Andrade, Celso Curi, Izabel Telles, o Vladimir Sachetta, a Inês Zanchetta, o Juca Kfouri e muitos outros.  Alguns continuam no ramo, outros mudaram, alguns se tornaram esotéricos. A gente se encontra com alguma regularidade. No caso da Carmen e do Vladimir sempre, uma vez que trabalham na área de pesquisa e consultoria de alguns de meus trabalhos para a tv, inclusive em “Queridos Amigos”.