sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Madrugadas do tempo inclaustrofóbico [1]

Os anos vão passando e não deixam somente marcas na pele, vista cansada e limitações físicas. Deixam, principalmente, lições. Hoje, elas nos são passadas por quem tem o que ensinar; mais tarde, será nossa obrigação passar essas lições – e as nossas – para frente.

Então, vamos para frente...



Faz mais ou menos uma semana, li um texto super bom sobre o tempo, escrito do jeito que eu gosto de ler (e escrever) – cheio de coloquialismos. Quem assina é o jornalista Ivan Martins, da revista Época. Separei alguns trechos, que seguem (para ler na íntegra, clique aqui):


Quem já teve oportunidade de namorar a mesma mulher com intervalo de alguns anos sabe: as pessoas melhoram. As duas pessoas. O sexo fica mais intenso, as conversas ganham outra densidade, a vida torna-se mais simples e o convívio, mais confortável. Aquilo que na juventude é problema, chega ao futuro resolvido. Ou incorporado. É como se as pessoas parassem de ensaiar e se aproximassem, afinal, do seu papel verdadeiro na vida. Relaxam e desfrutam.
(...)
Por que falar disso? Porque eu tenho a impressão de que as pessoas, homens e mulheres, estão vendo o tempo sob uma única dimensão: a do envelhecimento. Tempo virou sinônimo de bunda caída, papada e rugas. Tempo traz barriga, careca e Viagra. Tempo só nos enfeia e nos debilita. No fim da linha, nos mata. É o inimigo. Um pesadelo que se mede em tictacs do relógio, do qual se foge permanentemente. Mas será mesmo isso?

Acho que não. Assim como o prazer, que cresce com o tempo, outras dimensões fundamentais da existência se tornam melhores à medida que o tempo passa. Sem pensar muito, me lembro de uma: a capacidade de lidar com as pessoas e com as situações. A falta de traquejo social dos jovens é um fardo horrível. Ela produz angústias e equívocos em quantidades astronômicas. Ainda bem que passa.




Concordo com Ivan, simplesmente por que convivi e convivo com pessoas mais velhas que têm formas fabulosas de levar a vida. Vovó é uma delas. Aos 38 anos, ganhou a primeira neta, quando minha prima mais velha nasceu. Hoje, 27 anos depois, está pertinho de se tornar bisavó e cultiva o mesmo ar jovial e animadamente contagiante de quando a conheci, 26 anos atrás. Vovó  é do tipo que usa cremes (muitos deles), faz dieta (é diabética), come doce (mesmo sendo diabética) e tem uma risada gostosa. Um dos prazeres da minha vida é ouvir a gargalhada de vovó, alta e estridente.

Recupero outra fala sobre o tempo, dada a mim pela professora Nonete Barbosa, do Centro de Nutrição da UFPE. A conheci durante uma entrevista para uma matéria sobre os 50 anos de formatura da sua turma, a primeira do curso de Nutrição da Federal de Pernambuco. Como a professora continua lá, dando aulas, perguntei-lhe se havia a hora certa de parar. “Olhe, enquanto eu estiver sendo útil. Um dia me disseram que depois dos 60 anos, ninguém tem o direito de parar, mas a obrigação de passar suas vivências para frente”.  Eu vi muita verdade nos olhos azuis de Dona Nonete, e naquela vontade de viver e de ser útil.


Nesses dias em que estive em São Paulo, conversei muito comigo mesma (eu me escuto e me entendo como ninguém, coisa de quem dedica bom tempo às boas companhias) e um dos assuntos em pauta foi justamente o tempo. Num dia, estava esperando o início de um filme (“O solista” – recomendo) e vi um senhor sentado próximo, lendo jornal. Fiquei observando um tempo a dificuldade que ele tinha em ler – pouco maior que a minha, que por safadeza, teimo em não usar meus óculos com a freqüência que deveria. No dia seguinte, sentada perto de uma livraria, na Avenida Paulista, pensava e via o tempo passar quando percebi o mesmo senhor sentado perto de mim. De novo, um esforço enorme para ler, que quase o fazia arrastar o nariz pelas páginas da revista. Passei um tempo contemplando a cena, até que ele cansou, levantou e saiu a passos lentos. Era ele lá, tempo.

[continua...]


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