domingo, 29 de julho de 2007

Entrevista com o ator Eriberto Leão

Também para a matéria sobre "Fala baixo senão eu grito", no teste do JC.

Como o ladrão “transforma” as convicções de Mariazinha?

Ele é um defensor da liberdade absoluta, um iconoclasta. Mas a transformação é mútua. Ele também se transforma pelo amor que encontra ali. O meu personagem é um homem que não acredita nos caminhos convencionais para a felicidade. É adepto à anarquia e à subversão. O homem leva Mariazinha a uma viagem à uma outra realidade.

Que conceitos sociais você acredita que existam na personagem e no público que possam ser postos em xeque pelas posições do ladrão?

A acomodação diante da rotina. Todos os sonhos e desejos da sociedade, principalmente da classe média. A pseudo formula da felicidade. Seguir a vida naquele esquema de dormir oito horas por dia, sair com rumo certo. É como aquela música de Raul Seixas, que diz que “eu deveria estar contente”, mas “confesso, abestalhado, que eu estou decepcionado”. Nosso espelho do melhor é o pior (diz, referindo-se à política). Não temos coragem pra enfrentar regras que nos escravizam.

Nome da personagem

Ele é um ladrão. No texto, é denominado apenas de “homem”. Ele entra em cena através de um aparelho de televisão, com um revólver, e anuncia o assalto. Na verdade, ele vem assaltar as convicções de Mariazinha.

O ladrão passa um espírito real ou fictício? É criação da cabeça de Mariazinha?

É uma dualidade. Mas, pra mim, ele é de verdade. Eu estou lá de verdade. Ele é o que a gente pode definir de guia da mente dela. É um anjo exterminador de todas as convicções.

O que ele representa?

Um grito de liberdade entalado na garganta. Eu não concordo com os métodos dele, de usar a violência, mas somos violentados todos os dias, somos traídos todos os dias, e isso merece uma resposta à altura. Eu me sinto como se realmente falasse ao público brasileiro tudo aquilo que ele não enxerga. É um grito meu também.

Em que cidade se passa a peça?

São Paulo.

Você tem algo de Mariazinha?

Sim. Todos nós temos. Essa solidão e algumas “muletas” que usamos para disfarçar que somos solitários. Pra mim, somos sozinhos quando nos distanciamos na nossa lenda pessoal, da nossa vocação, daquilo que gostamos de fazer. Se não somos 100% nós mesmos, acabamos nos limitando ao que sobra dessa porcentagem.

Como você espera que o público sinta o seu personagem?

Espero que os pernambucanos prestigiem o meu trabalho. Já fiz o Cristo em Nova Jerusalém, um personagem marcante, que me fez criar laços com essa terra. Minha mãe e avós maternos são nordestinos. Espero que todos saiam, realmente, transformados.

O que há de diferente neste personagem em relação aos outros que você já fez?

Bem, ele é meu presente e o do país. Há uma sincronia de aspectos. O texto não é datado e isso o torna ainda mais atual. Esse é o ladrão que o povo brasileiro está precisando.

Como é trabalhar um texto de Leilah Assumpção junto com Ana Beatriz Nogueira?

É uma honra. Quando fui passar o texto, desejei muito o papel. É uma da maiores dramaturgas com encenação de uma das maiores atrizes do país.

O que representa a entrada do ladrão através da simbologia da tv?

A possibilidade de criação. O ladrão é agressivo, lúdico, oponente, violento. Não sei até que ponto podemos criar um paradigma se não formos violentos. Uma reação dos políticos, por exemplo, a alguém que quisesse mudar aquela realidade, seria de violência. Eles são uma classe de interesses.

Qual o espírito do cenário?

As telas mostram a total solidão de Mariazinha. É tanta que são necessários 20 televisores. Eles funcionam em sincronia conosco e traduzem os sentimentos.

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