terça-feira, 13 de abril de 2010

Edição das horas (parte 2)

DOZE

O ponteiro tocava o doze no relógio e André aguardava Marcos, seu editor, sair da reunião de pauta para irem almoçar. “Bora logo, bicho. Meu estômago esta me corroendo”, disse Marcos, assim que despontou no corredor. Os dois foram ao mesmo restaurante de sempre; o que variava era apenas o prato do dia. André preferia a feijoada das sextas.

Chegando em casa numa sexta-feira, pós feijoada do almoço e boemia do jantar, André vasculhou os armários atrás de fotos. Na adolescência, sempre fora apaixonado por registrar momentos. Os amigos sempre recorriam aos seus arquivos de filmes quando queriam resgatar algo. Com o advento das máquinas digitais, as coisas ficaram mais fáceis, mas ocupavam menos espaço na vida de André. Bom mesmo era manter pessoas e datas bem presas naquela caixa. Era uma forma de tê-las sem, na verdade, as ter de verdade.

Finalmente André encontrou a tal caixa de fotos, enorme, de papelão, que não era aberta há mais de cinco anos, desde que ele deixou a casa da mãe para viver o sossego solitário de um apartamento conjugado. Havia em média 1.500 fotos na caixa, todas separadas em envelopes com datas e ocasiões. “Ceia de Natal na casa de Vovô José. Dezembro de 90”, “Aniversário de Tio João. Agosto de 94”, “Meu aniversário. Julho de 91”.

Sentado no chão, André foi retirando os envelopes, um a um, sem abrir todos. Reviu amigos, seu avô que falecera, a cadelinha Zara, sua companheira dos 6 aos 16 anos, e alguns primos distantes que só apareciam nas festas de fim de ano. Depois de mais de uma hora de risos, encontrou um envelope identificado como “várias”, onde ficavam fotos soltas, sem data ou que ganhara dos amigos. Abriu o envelope e sentiu o estômago gelar quando viu Tarsila, numa foto de anos passados.

Só aí percebera que havia abandonado sua vida naquela caixa. E não havia mais remédio para isso, a não ser deixar-se também abandonado ali e continuar a passar noites com Tarsila, no corpo da outra.

Nenhum comentário: