Haverá o dia em que ouviremos a notícia de que um pai, nos momentos de felicidade pelo nascimento de um filho, lhe dará, como primeiro presente, o registro de jornalista no Ministério do Trabalho. Ou seja, já se nascerá com uma profissão. E se não der certo em nenhuma outra que vier a escolher depois, não terá problema. É só voltar à raiz.
É certo que a Terra tem alguns milhões de anos, e certamente terá outros milhões. É possível que nesse espaço futuro de tempo voltemos ao estágio em que a Medicina seja praticada por curandeiros, que os rábulas sejam os grandes oradores do Direito, que a Igreja volte a negar que a Terra gira em torno do Sol. No entanto, por enquanto, ainda saudamos a ciência, a pesquisa, a formação e a razão, bases do processo civilizatório, do progresso material e do desenvolvimento humano.
E por que tanto rodeio para dizer que somos contra a filiação de não-diplomados aos Sindicatos de Jornalistas? Porque curandeiro não consegue registro nos conselhos de Medicina, rábulas não fazem a prova da OAB e a Igreja não manda mais ninguém para a fogueira por cientificamente negar dogma.
Não podemos ser cúmplices. Nossa obrigação é lutar. Não podemos admitir que o processo termine por transformar Sindicatos em clubes de recreação e balcão de comércio de identidade profissional ou arena para estreitismo ideológico. No primeiro caso, há o risco de se chegar a um sindicalismo de compadrio; no segundo, termos um sindicato estéril. Estamos em uma etapa de luta, não cabe cair na luta.
Somos contra a filiação de não-diplomados. A decisão do STF foi um retrocesso de 100 anos. O mais grave ataque à profissão e à sua organização de trabalho em um século. Se todo mundo é jornalista, onde tudo começa e tudo termina? Admitir a filiação de pessoas que se beneficiam dessa decisão é referendar a posição do nosso algoz.
E agora, o Código de Ética dos Jornalistas serve para quem, se todos são jornalistas? O que valerá é o código de ética das empresas ou o código de cada um? Ou, o não-código?
Jornalismo não é arte. Não é arte plástica, não é arte cênica, não é literatura e não é cordel. É só uma profissão, um ofício com suas técnicas de apuração, redação e apresentação, que tem seu espaço de criação, mas, que - diferentemente da arte - não tem qualquer traço de ficção nem é ilimitado no imaginário do jornalista.
O jornalista não cria, apenas relata. Nos assemelhamos aos artistas apenas na vital necessidade de liberdade. Jornalismo não se vende, não é mercadoria, não é moeda de troca, de barganha ou de acumulação de riqueza. Quem assume o papel do capital é a empresa privada e quem assume o papel do poder público é o Estado, não é o Jornalismo. Portanto, precisa ter alguém para exercê-lo com identidade.
O risco de hoje é perdermos tudo o que construímos para aqueles que acham que Jornalismo é arte.
Um comentário:
Tatiana, eu acho que sua amada profissão requer mais dom/talento do que técnica.
Se uma pessoa é articulada, sagaz, tem um bom nível cultural, fala ou escreve bem - ou as duas coisas - ela está apta a ser uma boa jornalista.
Por outro lado, não tem faculdade que faça um sujeito sem essas qualidades ser um bom jornalista.
PS: Ao contrário de Cindy Lauper, o meu desamor(nada pessoal :>) pela profissão me fez gostar da decisão. Foi o Gilmar Mendes? Vixeeeeeeee!
Ahhh, só os melhores jornalistas são artistas. :>)
Abraço
José Henrique
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