quinta-feira, 29 de abril de 2010

Um momento pra lembrar, sempre

Eu conheço um monte de gente que vive a reclamar da vida. Uma amiga próxima, por exemplo. Se alguma coisa tiver 50% de chance de dar certo, ela se apega à outra metade, a um possível lado ruim, a uma possivel chance de erro. E já que eu penso diferente, ela diz que vivo num mundo positivista só meu. Alheio a tudo.

Não é bem assim. Apenas acho que se há uma ínfima possibilidade de algo dar certo, é esse pedacinho de vontade que a gente deveria se apegar. Pode ser que desalinhe, claro, mas pensamento positivo é o primeiro passo para dar certo. E isso é em tudo.

E tem como ter certeza de que uma coisa vai dar certo? - você pode me perguntar. Não, não creio, nem tenho experiência o suficiente para afirmar isso. Mas vovó, que viveu muito, sempre diz que é esse é o começo de tudo: acreditar. Se as dificuldades estão postas, não deve ser você, que, imagina-se, é o maior interessado no próprio sucesso, que vai criar novos obstáculos. Esses são os piores, os intransponíveis - aqueles que estão postos por sua cabeça.

Sabe o que é o pior disso? Tenho a impressão que a maioria das pessoas só se dá conta do quanto atrasou a própria vida quando dificilmente encontrará saída. Ainda assim, a saíde é "só" difícil, não impossível.

Hoje é um dia para se comemorar. A gente chegou até aqui.

E bom dia pra todo mundo que eu preciso dormir. As coisas andam fora dos seus lugares.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Jornalistas, somos artistas?

Ayrton Maciel, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Pernambuco (SinjoPE)



Haverá o dia em que ouviremos a notícia de que um pai, nos momentos de felicidade pelo nascimento de um filho, lhe dará, como primeiro presente, o registro de jornalista no Ministério do Trabalho. Ou seja, já se nascerá com uma profissão. E se não der certo em nenhuma outra que vier a escolher depois, não terá problema. É só voltar à raiz.

É certo que a Terra tem alguns milhões de anos, e certamente terá outros milhões. É possível que nesse espaço futuro de tempo voltemos ao estágio em que a Medicina seja praticada por curandeiros, que os rábulas sejam os grandes oradores do Direito, que a Igreja volte a negar que a Terra gira em torno do Sol. No entanto, por enquanto, ainda saudamos a ciência, a pesquisa, a formação e a razão, bases do processo civilizatório, do progresso material e do desenvolvimento humano.

E por que tanto rodeio para dizer que somos contra a filiação de não-diplomados aos Sindicatos de Jornalistas? Porque curandeiro não consegue registro nos conselhos de Medicina, rábulas não fazem a prova da OAB e a Igreja não manda mais ninguém para a fogueira por cientificamente negar dogma.

Não podemos ser cúmplices. Nossa obrigação é lutar. Não podemos admitir que o processo termine por transformar Sindicatos em clubes de recreação e balcão de comércio de identidade profissional ou arena para estreitismo ideológico. No primeiro caso, há o risco de se chegar a um sindicalismo de compadrio; no segundo, termos um sindicato estéril. Estamos em uma etapa de luta, não cabe cair na luta.

Somos contra a filiação de não-diplomados. A decisão do STF foi um retrocesso de 100 anos. O mais grave ataque à profissão e à sua organização de trabalho em um século. Se todo mundo é jornalista, onde tudo começa e tudo termina? Admitir a filiação de pessoas que se beneficiam dessa decisão é referendar a posição do nosso algoz.

E agora, o Código de Ética dos Jornalistas serve para quem, se todos são jornalistas? O que valerá é o código de ética das empresas ou o código de cada um? Ou, o não-código?

Jornalismo não é arte. Não é arte plástica, não é arte cênica, não é literatura e não é cordel. É só uma profissão, um ofício com suas técnicas de apuração, redação e apresentação, que tem seu espaço de criação, mas, que - diferentemente da arte - não tem qualquer traço de ficção nem é ilimitado no imaginário do jornalista.

O jornalista não cria, apenas relata. Nos assemelhamos aos artistas apenas na vital necessidade de liberdade. Jornalismo não se vende, não é mercadoria, não é moeda de troca, de barganha ou de acumulação de riqueza. Quem assume o papel do capital é a empresa privada e quem assume o papel do poder público é o Estado, não é o Jornalismo. Portanto, precisa ter alguém para exercê-lo com identidade.

O risco de hoje é perdermos tudo o que construímos para aqueles que acham que Jornalismo é arte.


segunda-feira, 19 de abril de 2010

Uma rapidinha

Hoje o dia foi tão puxado, mas tão puxado, que eu estou sem coragem pra nada. Pra ser bem sincera, nem sei por qual motivo estou aqui, perdendo tempo, o meu e o de vocês, escrevendo amenidades. É, não sei...

Talvez por ser este um canal interessante de diálogo, de comunicação, que tem exatamente o modelo que aprendi na faculdade. Aqui completamos todo o ciclo de emissão e recepção de mensagem: eu deliro, vislumbro, penso (às vezes); vocês leem, interpretam e respondem. E eu recebo estas respostas. E tenho um motivo a mais para ter certeza de que as coisas, no meu ofício, se constroem desta forma. Com os dois lados.

Nossa... me perdi.

Ah, sim. Queria responder que, sim, eu fui ao show do Simply Red, sozinha, com a ideia na cabeça de viver uma experiência pitoresca. De fato, foi. De onde eu me esgueirava para conserguir ver o show, estava acompanhada, de um lado, um casalzinho engraçado, que dançava juntinho (visivelmente estavam ali por conta dela); do outro, um discreto casal gay. Foram momentos tão agradáveis, de boa música... e que voz. Que voz...

E para finalizar por hoje, que eu já tô sem condição de construir uma frase inteira, reproduzo um trecho de um texto de Caio Fernando Abreu que copiei do blog de um amigo meu. Espero que gostem. Espero que seja bem compreendido. Talvez uma dose de hermenéutica.

"Olha, eu estou te escrevendo só pra dizer que se você tivesse telefonado hoje eu ia dizer tanta, mas tanta coisa. Talvez mesmo conseguisse dizer tudo aquilo que escondo desde o começo, um pouco por timidez, por vergonha, por falta de oportunidade, mas principalmente porque todos me dizem que sou demais precipitado, que coloco em palavras todo o meu processo mental (processo mental: é exatamente assim que eles dizem, e eu acho engraçado) e que isso assusta as pessoas, e que é preciso disfarçar, jogar, esconder, mentir. Eu não queria que fosse assim. Eu queria que tudo fosse muito mais limpo e muito mais claro, mas eles não me deixam, você não me deixa."

ps: Perdoem o título. Só percebi depois...

sábado, 17 de abril de 2010

Simply Red no Recife

Por um lado, acho interessante receber um artista estrangeiro, cantando em idioma estrangeiro. Melhor: ouvir um inglês embromation cheio de empolgação do "colega" de pista ao lado. Ah, tem também aquela sensação: "peraí! Essa música é do Simply Red?" Era. Aliás, eram.

O show não começou pontualmente às 22h, como alardeou a imprensa local, valendo-se do argumento da banda ser britânica. Mas, vamos combinar que um atraso de pouco mais de 25 minutos não é nada no Chevrolet Hall, cujos shows costumam atrasar perto de duas horas. A espera valeu a pena. O que vi no palco foi um sentido mesmo de despedida, primeiro – e último – show do Simply Red no Recife. Coloco o verbo na primeira pessoa porque ouvi (e li) muita gente reclamando. Na saída da apresentação, ouvi um homem de meia-idade dizer: "baixei a discografia quase toda deles, e eles só tocaram duas ou três músicas".

Ah, sim, é verdade. Da lista de clássicos, Mick Hucknall cantou “Stars”, “Come to my aid” e “Never, never love”, que eu me lembre agora. Eu senti falta de “You make me feel brand new” e “Four your babies”. Olhem, deixo claro que a memória pode faltar, já que não levei bloquinho e caneta como sempre. Preferi me abster do “cacoete” desta vez.

Bem, é uma coisa muito legal ver esse tipo de show. Sempre ouvi as músicas deles, há tanto tempo (mesmo sem saber de quem eram). Mick estava muito animado, é carismático, simpático. A voz dele é linda, capaz de agudos incríveis e falsetes graves. Os músicos são excelentes, destaque para o saxofonista e pro guitarrista.
As fotos que fiz ficaram péssimas. Gente baixinha só se lasca nessas horas. O Chevrolet ainda fez o favor de instalar uma tal de uma área “VIP” que deixa o restante dos pagantes da pista longe do palco. Very Important “People” que se espremeram dentro de um cercadinho. E ainda sobre a casa anfitriã, as reclamações são as mesmas de sempre: um calor de lascar (aquele arcondicionado é lenda, né) e o estacionamento terrível! O que é aquilo?? Você paga R$ 3 para ter barro, buraco e uma desordem da peste free. Né legal?

Bem, problemas de lado, o show me valeu demais. Foi paradinho, de fato, como disseram algumas críticas. Mas é o estilo da música... Nesta página tem algumas. Vale a pena ouvir.

Não fiz fotos que prestassem, mas gravei dois momentos jóias do show. Divido com vocês agora. Espero que gostem o tanto que eu gostei:




sexta-feira, 16 de abril de 2010

Comentando comentários

Os textos postados com o título "Edição das horas" foi uma tentativa de conto que escrevi para um concurso literário que aconteceu em Portugal, aberto a participantes de países falantes da Língua Portuguesa. O texto inteiro foi publicado nos dois posts, então, a história termina como acabou.

Entretanto, diante da curiosidade que o texto despertou em Cinthia, eu pensei que talvez ele mereça um final mais "conclusivo". Prometo, então, formular o desfecho apoteótico (ou não) para André. Combinado?

Ah, aceito sugestões!

NOITE DE NOSTALGIA
Hoje, a noite de sexta é do Simply Red! Faz uma semana que eu escuto as músicas para redecorar o repertório. O possível setlist da noite, você vê aqui!


quarta-feira, 14 de abril de 2010

Ivan, sempre Ivan

Quem se dá ao direito de perder alguns momentos do dia escrevendo (ou quase o dia todo, como eu), sabe exatamente como é difícil se fazer entender. Existem poucas coisas que me incomodam tanto quanto a questão "o que você quis dizer com isso?".

Oras! Eu quis dizer o que está dito aí, no que você está lendo. A interpretação é a graça das coisas, mas eu prefiro interlocutores mais contectados comigo, embora esteja querendo demais.

Sim, mas vamos em frente. Hoje é quarta, então é dia de atualização da coluna de Ivan Martins.
Eu me pergunto: o que seu texto quer ser quando crescer?
E me respondo: ele quer ser como os de Ivan Martins. 
Não igual, claro, mas tão claro e direto quanto. Eu admiro o desmpreendimento dele, já que acho tão complicado delatar-se e descrever-se num texto. Um dia, eu chego!

Eu gostei e como sei que tem gente por aqui que também gosta, como Cinthia, vai como sugestão de leitura. Ah, esta é a coluna da semana passada.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Edição das horas (parte 2)

DOZE

O ponteiro tocava o doze no relógio e André aguardava Marcos, seu editor, sair da reunião de pauta para irem almoçar. “Bora logo, bicho. Meu estômago esta me corroendo”, disse Marcos, assim que despontou no corredor. Os dois foram ao mesmo restaurante de sempre; o que variava era apenas o prato do dia. André preferia a feijoada das sextas.

Chegando em casa numa sexta-feira, pós feijoada do almoço e boemia do jantar, André vasculhou os armários atrás de fotos. Na adolescência, sempre fora apaixonado por registrar momentos. Os amigos sempre recorriam aos seus arquivos de filmes quando queriam resgatar algo. Com o advento das máquinas digitais, as coisas ficaram mais fáceis, mas ocupavam menos espaço na vida de André. Bom mesmo era manter pessoas e datas bem presas naquela caixa. Era uma forma de tê-las sem, na verdade, as ter de verdade.

Finalmente André encontrou a tal caixa de fotos, enorme, de papelão, que não era aberta há mais de cinco anos, desde que ele deixou a casa da mãe para viver o sossego solitário de um apartamento conjugado. Havia em média 1.500 fotos na caixa, todas separadas em envelopes com datas e ocasiões. “Ceia de Natal na casa de Vovô José. Dezembro de 90”, “Aniversário de Tio João. Agosto de 94”, “Meu aniversário. Julho de 91”.

Sentado no chão, André foi retirando os envelopes, um a um, sem abrir todos. Reviu amigos, seu avô que falecera, a cadelinha Zara, sua companheira dos 6 aos 16 anos, e alguns primos distantes que só apareciam nas festas de fim de ano. Depois de mais de uma hora de risos, encontrou um envelope identificado como “várias”, onde ficavam fotos soltas, sem data ou que ganhara dos amigos. Abriu o envelope e sentiu o estômago gelar quando viu Tarsila, numa foto de anos passados.

Só aí percebera que havia abandonado sua vida naquela caixa. E não havia mais remédio para isso, a não ser deixar-se também abandonado ali e continuar a passar noites com Tarsila, no corpo da outra.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Feliz aniversário!


Eu já tinha certeza que daria trabalho, mas que seria bom demais!
Hoje faz 25 anos que eu ganhei o melhor presente de todos. Faz 25 anos que formamos a melhor dupla de todas!
Feliz aniversário, "Jou"

ps: Eu quero um sobrinho!

domingo, 11 de abril de 2010

Edição das horas (parte 1)

Paula Helena Tôrres*

SEIS
“Um dia é sempre um infeliz recomeço”, pensava André todas as manhãs, ao levantar-se à contra gosto para trabalhar. Ele lutava contra o sono que lhe abatia logo cedo, munido com um cigarro dependurado na ponta da boca. Havia tentado largar o vício, mas sucumbira há pouco mais de duas semanas. “Se eu vou morrer mesmo, acelerar só vai me encurtar o trabalho” – concluiu, ao reassumir a nicotina.

O ponteiro tocava o seis no relógio e o mau humor matinal tomava conta do quarto todo. Não eram simples resmungos voluntários, mas palavrões amontoados que pipocavam dentro de sua cabeça. André franzia a testa, o que já lhe rendera uma profunda ruga de expressão vertical, disfarçada entre as sobrancelhas grossas. Saía do quarto acendendo um cigarro Hollywood.

Há três dias que o cardápio da primeira refeição era nada além de bolacha e margarina e uma xícara de café solúvel forte pra lascar. Cafeína, diziam os colegas, era um dos vícios obrigatórios de todo jornalista. A listagem ainda incluía chiclete, caneta, cigarro, cerveja e, pra variar do “c”, sexo. Todo jornalista que se preze vivia (e ainda vive) desses pequenos prazeres.

Este último não andava muito presente na vida de André. Apesar de namorar uma mulher que considerava bonita, há tempos perdera interesse nela. Faltava-lhe apenas paciência para terminar o relacionamento. Patrícia, a eleita, era falastrona e esse monte de palavras soterrara todo desejo de André. De dia, quando ela tagarelava, ele fazia o bom e velho ouvido de mercador; à noite, cumprindo suas obrigações masculinas, pensava em outra. Um passado que nunca passara.

Além de Patrícia, o jornal também consumia-lhe a vida. Estava naquela situação há anos, se arrasando desde a conclusão da faculdade, mas não fazia muita questão de mudar. Enraizado, André via a vida passar pela janela do Fiat Uno ano 92, sem ar condicionado, que cozinhava ao sol do meio-dia, no trajeto casa-redação.

André era repórter de economia do maior jornal da cidade, cargo sem grandes valores para ele. Significava apenas o contracheque mensal, garantia de pagar o aluguel, água, luz, e tédio. Até o esforço inicial para incorporar-se dos assuntos econômicos já não custava mais do que cinco minutos de um raciocínio chulo e superficial. Nada que lembrasse os tempos em que pensava ser arquiteto ou dedicar-se a estudar artes plásticas. Seus ideais de “utilidade pública” acabaram ferrando seu destino. “Hoje, eu não sirvo nem pra mim mesmo”, resumia, sempre que questionado.

Em tempos de declaração ou restituição de imposto de renda – pautas mordazes e tediosas como tantas outras – ia se enterrando, “batendo” a matéria com a ponta dos dedos e escorregando até quase cair da cadeira. Já com assuntos mais complicados, cujas informações eram ditadas por telefone e tropeçavam e caíam no meio do caminho, André levantava para “arejar” e ficava debruçado na janela da redação, fumando e olhando os pombos que empestavam a parte antiga da cidade. “Um inferno, o limbo, o purgatório”, pensava aleatoriamente entre tragos.

Às sextas-feiras, ia até o boteco da esquina pra tomar cerveja com mais uns cinco ou sete. Hábito cultivado com louvor por jornalistas e que fez brotar bares vagabundos nas proximidades das redações. Inclusive, um ex-colega largara as agruras do jornalismo para abrir um desses redutos, que acabou virando destino certeiro do começo do fim de semana: cerveja, charque e cinco fichas da radiola para cada um dos cinco ou sete. Noite garantida de legítima e pura boemia, com fossas de Lupicínio Rodrigues e sambas de Cartola ao fundo. Na volta pra casa, André ia contando os postes para não se perder.

Também era lazer juntar a turma da redação para o futebol, sempre aos domingos pela manhã, quando a ressaca da noite anterior dava condições de jogo. O futebol também podia ser pela televisão, mas esse era um programa evitado até as últimas circunstâncias – as opiniões divergiam demais, então sempre melhor reunir apenas os clãs de cada time.

Quando dava, os fins de semana também variavam para restaurantes “xulos”, de comida boa e barata, mas de procedência duvidosa. Serviram como bom pretexto sempre que André quis despistar Patrícia, que cismava em acompanhá-lo nas programações do jornal. Ele não se sentia confortável. Patrícia sempre o enchia de perguntas sobre essa ou aquela colega ou tinha comentários maldosos sobre seus colegas. “Não, Patrícia, Eduardo não é gay”, respondia, sem muita paciência.

Sábado livre era quase um milagre divino encomendado por santo. Sábado sim, sábado não, André tinha que trabalhar, mas quando ficava em casa, não tinha sossego também. Se não era Patrícia que chegava exigindo energias que ele já não tinha, era sua mãe que surgia com a faxineira para por ordem na casa (dele). E não adiantava reclamar – todo santo sábado dona Nilza estava lá a fim de garantir o bem estar do seu único filho homem. Levava-lhe roupas limpas e passadas, lençóis e comida congelada. “Andrezinho, você está cada vez mais raquítico, tem que comer direito”, recomendava aos gritos, arrancando-lhe o cigarro do canto da boca.

André era o terceiro de uma família de cinco filhos – único exemplar macho no meio de quatro mulheres: Ana, Amélia, Andréa e Adriana, seguindo a mania cafona de eleger a letra inicial obrigatória da prole. Quando era criança, para salvá-lo da sua condição humilhante de minoria, Dona Nilza dizia: “Andrezinho, você é o filho do meio, e o recheio é sempre mais gostoso”.

Na adolescência, ele não tinha dificuldades para arranjar namorada. O problema e que ele perdia o interesse por elas muito facilmente. Acabava maximizando defeitos, criando possibilidades de erros e, por fim, punha um ponto final na historia. Preferia coisas efêmeras, nutridas pelas frases do escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que lhe temperava os pensamentos quando estava de cabeça cheia (ou vazia). “Qualquer um de nós já amou errado, já odiou errado”, escrevera Nelson – então Andre entendia que, se tratando dele, o erro era caminho certo. Melhor evitar as mulheres que lhe transmitissem qualquer tipo de medo, qualquer uma que pudesse despertar sentimentos mais fortes.

Com Patrícia, as coisas tinham aviso prévio, eram demarcadas, delimitadas, sem grandes surpresas ou sustos. André sabia onde estava pisando e embora o tédio daquela relação o consumisse, ele preferia uma situação de conforto, da mesma forma como agia no jornal. Seu sonho enquanto jornalista era escrever uma grande reportagem narrando um fato importante pelo meio do mundo. Coisa tão minuciosa que lhe renderia um livro, um bom livro, prêmios e, quem sabe, um salário melhor que pagaria todas as suas manias: revista, livro, gibi, discos e acessórios de fotografia. Não interessavam grandes investimentos – sua efemeridade não permitia isso. Foi exatamente por isso que ele havia deixado Tarsila no passado. Mesmo sem saber exatamente o porquê.

*pseudônimo usado no concurso literário.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

O que importa pra você?

Acabei cancelando um post que fiz para hoje, 7 de abril, Dia do Jornalista, quando parei para acompanhar as notícias sobre as chuvas que caem no Rio de Janeiro.

O mundo carioca tá em colapso, a Globo foca todas as câmeras por lá, seu próprio umbigo. Mas sejamos solidários.

O que me chamou atenção foi o ranking das notícias mais acessadas do dia. E eu já falei tanto sobre isso aqui, né? Eu fiquei sem muitas palavras, mas olhem pra isso:


O ranking de interesses me preocupa muito.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Feliz aniversário, vovó Edda

Vovó,



Hoje eu queria dar um cheirinho na senhora, mas como a distância física impede, terei que me contentar em comemorar seu aniversário em pensamento. Em lembrança.

São quantos anos mesmo, vovó? Vamos fazer as contas? Sim, vamos, sim!!!
Em 2006, quando a senhora partiu, tinha 72 anos. Hum... .... er...76 anos? É isso mesmo? Eitaaaa
=D

Bem, hoje faltou um telefonema logo cedo, para desejar "feliz aniversário" e ouvir um acanhado "hehehe. Obrigada, fofura". Hoje também faltou aquela escapadinha estratégica, no fim do dia, para assistir Francisca fazendo pizza de sardinha para comemorar a data. Faltou também a vela branca enfiada na pizza, que sempre fez, e bem, as vezes de bolo. Gente, parabéns cantado em cima de pizza!! Isso é bem coisa da casa de vovó Edda.


Ah, mas eu lembro muito. E, perdoem-me Juliana e primos, mas eu curti mais, aproveitei mais. Tive o privilégio de ser a primeira fofura de Dona Edda, a oficial, com direito a primeiro banho, aos primeiros dentes e às primeiras palavras. Fui também eu quem ganhou o primeiro ovo de Páscoa, a primeira mesada (não, essa foi Juliana, salafrária!), o primeiro presente de aniversário. Ah, é! Meu primeiro presente de aniversário, comprado por vovó Edda, foi Eduardo... e ele continua ali, no alto da estante.

Dona Êdda, a senhora faz uma falta danada. Essa semana, tava me lembrando de uma coisa: começo de tarde, Francisca lavando os pratos do almoço e a senhora guardando comida em potes. Eu, como quem não quer nada, passava na surdina e dava um tapão na traseira de Francisca, que caía na risada e dizia: "Ô, menina sem juízo!!". Vovó, acho que chocada com a cena, "ralhava": "Isso é coisa que se faça, é? Vou dizer a Vânia".

E eu saía gargalhando da cozinha.

Ah, tem outra: Juliana-mala, grita: "Aaaaaaah" e, sem seguida, emenda: "Tatiana, não grite!! Monteiro não gosta de gritos!!". Vovó, engole-corda que só ela, fechava: "Tatiaaaana!!".

A última: Arthur bem novinho ainda. Vovó comprou um ovo de Páscoa pra ele também e eu não gostei nada nada daquilo. Sentindo o ciuminho no ar, dona Edda solta: "eita, quanto ciúmes!". Só que ela sabia que era primeira sem segunda! Vovó Edda só tem uma!

Vovó, feliz aniversário. Prometo que vou fazer pizza de sardinha qualquer dia desses.
Amor, sempre.
Tati

domingo, 4 de abril de 2010

Cazuza, 52 anos

Hoje, Cazuza faria 52 anos. Ariano, nasceu em 4 de abril de 1958, uma sexta-feira Santa.

Há dois anos, o Jornal do Commercio publicava uma matéria especial, em comemoração aos aniversário de 50 anos do poeta. Foi, claro, um presente pra mim, que assinei o especial que ocupou o caderno quase todo.

Hoje, republico aqui a entrevista que fiz com Ezequiel Neves, amigo pessoal e produtor de Cazuza.

Eu já havia perdido as esperanças de conseguir falar com Ezequiel. Havia conseguido o telefone da casa dele em outra pauta (sobre o livro do qual ele foi co-autor, junto com baterista Guto Goffi e o jornalista Rodrigo Pinto, contando a história do Barão Vermelho). Eu já havia ligado várias vezes: na primeira, me atendeu a empregada; na segunda, a secretária eletrônica. Naquela que seria a última tentativa, arrisquei deixar um recado na secretária eletrônica:

- Zeca, aqui é Tatiana Notaro, repórter de cultura do Jornal do Commercio, do Recife. Estou fazendo uma matéria especial sobre os 50 anos de Cazuza. Se você puder...

Pronto, aí Zeca atendeu. Primeiro, controlei o coração (como todo repórter iniciante, eu ainda me emociono com algumas coisas), me recompuz e comecei a conversar com ele. Um dos grandes responsáveis pelo caminho trilhado por Cazuza e pelo Barão Vermelho - juntos e separados.

Zeca tem mais de 80 anos, calculo. Na minha cabeça, cultivei a imagem que li nos livros sobre Cazuza: um senhor de meia-idade, cabelos já quase todos brancos, louco, inteligente e viciado em livros e drogas ilícitas. Bem diferente da figura que apareceu no especial "Por toda a minha vida", acabadinha e sem dentes. Prefiro a primeira opção. Vamos ficar com ela, ok?

Até hoje, mora no Rio de Janeiro, num apartamento de foi de Cazuza, próximo à favela Pavão Pavãozinho. Com o especial publicado, peguei um exemplar do jornal, do dia 3 de abril de 2008, e enviei-lhe pelos correios, como me pediu.
 
ENTREVISTA » EZEQUIEL (ZECA) NEVES
“Cazuza é a ausência mais presente na minha vida”
Publicado em 03.04.2008

Ezequiel Neves tem 73 anos. É jornalista, produtor musical e orgulha-se de ser o “pai” (ou avô, como a ele se refere o baterista Guto Goffi) da banda Barão Vermelho. Zeca ainda trabalha com os meninos do Barão, atualmente fazendo trabalhos individuais, e se formos comparar os relatos sobre ele, datados daquela época, o produtor musical e jornalista continua o mesmo maluco, amante da boemia, das artes (como ele mesmo se declara) e das drogas (“das boas!”). Sua amizade quase siamesa com Cazuza entrelaça a vida dos dois – então não há jeito de falar do poeta exagerado sem juntar-se para um papo ao seu fiel companheiro (de noitadas no Baixo Leblon ao dia do resultado do teste da aids). Entusiasmado com a idéia de relembrar seu "neto", Ezequiel Neves concedeu uma entrevista ao JC.

JC – Como foi o começo da história de Cazuza na música?
EZEQUIEL (ZECA) NEVES – Conheci Cazuza como boêmio, em 1979, e ficamos amigos instantaneamente. Quando ouvi a fita demo do Barão Vermelho, achei aquela banda maravilhosamente underground. Soube que era o Cazuza quem cantava ali, liguei para Lucinha e disse: “Prepare-se, porque seu filho é absolutamente genial!” (Gargalhadas).

JC – A sua posição foi a mais incômoda quando Cazuza resolveu sair do Barão Vermelho. Por que você assumiu os dois?
ZECA – Quando Cazuza me disse que ia sair da banda, eu disse a ele que era a maior bobagem esse negócio de querer virar patrão dele mesmo, sabe? O Barão sempre foi uma excelente moldura pra ele, não tinha motivo. Quando eu disse ao Cazuza que ia cuidar dos dois, ele me disse que eu fazia muito bem. Eu fui “salomônico”. (Risos)

JC – Lucinha contou em seu livro, que você estava com Cazuza no dia em que ele soube que estava com aids. Como foi esse dia?
ZECA – Foi muito difícil, porque eu já sabia. O médico contou primeiro ao João e à Lucinha e os dois me contaram. Achei aquilo erradíssimo! Naquele dia, ele insistiu para que eu fosse, mas me deixou na sala de espera do consultório. Quando saiu, foi logo dizendo “estou, estou, estou”. Aí a gente foi para Ipanema, era umas 19h. Ele estava desesperado! Eu tentei acalmá-lo, dizendo que tinham outros médicos e que ele não era promíscuo, então não tinha como estar contamidado.

JC – Há muitas comunidades sobre Cazuza no Orkut que discutem sobre o que teria inspirado a letra de "Codinome beija-flor". Você assina a parceria da música, pode explicar sobre o que fala a letra?
ZECA – (Risos) Cazuza foi internado com uma “baronite aguda”, porque estava com febres altíssimas e queimou um baseado. Foi no hospital onde a gente compôs "Codinome" e a letra fala da imagem de alguém, mas não alguém específico.

JC – Qual foi o motivo desta internação? Já era a aids?
ZECA – Foi em 87 e ninguém sabia do que se tratava. Olhe... a morte é insubornável! Os pais dele fizeram de tudo para salvá-lo! Os exames desta internação deram negativos à contaminação por HIV.

JC – O quê você lembra sobre a fase da doença?
ZECA – Foi uma coisa horrorosa. Eu estava brigado com Lucinha e João e Cazuza exigia a minha presença. A primeira vez que ele tomou o AZT teve efeitos colaterais horríveis.

JC – Qual foi a última vez em que você viu o Cazuza vivo?
ZECA – Foi na véspera da morte dele. O achei muito ausente. Saí da casa dele naquele dia, fui pra minha casa e cheirei muito (cocaína). Me contaram que foi a Lucinha quem me ligou no dia seguinte, me avisando, mas eu não lembro. Sei que caí no apartamento e acordei com Dulce Quental, Nilo Romero e Frejat, que tinham arrombado a porta. Pus uma camisa que o Cazuza tinha me dado e fui pro velório. Não me lembro de nada, só de ver pessoas chegando. Você quer uma frase bonita pra colocar aí? O Cazuza é a ausência mais presente na minha vida!

JC – Vai muito ao cemitério?
ZECA – Túmulo é uma coisa muito forte, sabe? Principalmente pro Cazuza, que era muito livre. Vou lá, levo flores, acendo um cigarro Hollywood e coloco em cima do túmulo... ele fuma todinho. (Risos)

JC – Como seria a relação do Zeca aos 70 com o Cazuza aos 50?
ZECA – Isso não é palpável. Não quero luzes, quero mágica! Não sei o que seria, sei que ele não está mais aqui.

JC – E as comemorações pelos 50 anos dele?
ZECA – A Lucinha sempre manda rezar uma missa. De lá, vamos para a Pizzaria Guanabara, no Leblon, com ele, viu? Por que eu vou levar um pôster enorme do Cazuza! (risos) Me lembrei de quando eu fiz 49 anos. O Cazuza fez uma festa e disse a todo mundo que eu estava fazendo 50 anos, aí quando foi no ano seguinte, realmente meus 50, o pessoal falava: “de novo?”. (Risos)


E FALANDO NISSO...
Cazuza era fã de Clarice Lispector. Como prometi no post publicado no dia do aniversário de morte da escritora, fui hoje até a Praça Maciel Pinheiro e fotografei a estátua em sua homenagem, que faz parte do Circuito da Poesia:























Estátua de Clarice Lispector, no Circuito da Poesia, no Recife
























Estátua de Clarice Lispector, no Circuito da Poesia, no Recife

Detalhe: a máquina de escrever sobre o colo

sábado, 3 de abril de 2010

E lá vem a Páscoa. Do Senhor Morto?

Bem acaba o Carnaval, lá estão os cintilantes ovos de Páscoa, sempre caros, avisando que já começou a Quaresma. Desde que eu era criança, muita coisa mudou na rotina desta época; e não foi só o formato dos ovos. Muita coisa mudou.

Primeiro que eu não faço mais questão nenhuma de não comer carne. Eu nunca faço, mas não mais me abstenho que comer por causa da sexta-feira da Paixão. Não se trata de uma questão de fé (ou da falta dela), mas de uma total perda de sentidos. Eu nem vou aprofundar neste contexto. Religão é algo sobre o quê não gosto muito de debater.

Hoje, fui acompanhar uma visita à Olinda e levei Mariana comigo (Mariana é minha meia-irmã caçula, de sete anos, que tem uma lingua afiada e sentidos aguçadíssimos). Nos deparamos com a procissão do Senhor Morto. Olhem, sem querer desmerecer a fé alheia, o que, aliás, não é nem nunca foi do meu feitio, é uma coisa de mau gosto. Explico:

Mariana, como é de praxe, perguntou o que era a movimentação e, depois da explicação:

- Quem é ele?
- É Jesus, Mariana... – respondi
- Jesus morreu? – perguntou, meio assustada, meio incrédula.
- Morreu e ressuscitou – respondi, sem muitas explicações.
- Se ele ressuscitou, por que é o Senhor Morto? – indagou, fazendo cara feia pra cantoria de velório que adentrava a rua do Centro Histórico de Olinda.

Explicar as coisas a Mariana requer tempo, paciência e pormenores demais, mas me deixou pensando. Ela tem certa razão, não?

Do Alto da Sé, dava para ouvir vozes que ecoavam da encenação da Paixão de Cristo que Pimentel re-re-re-refazia, desta vez, na Praça do Carmo. Mariana ficou com medo das vozes funestas e por mais que eu explicasse, ela se agarrava no meu braço cada vez que ouvia.

Falando em Pimentel, será que não tem ninguém aqui em Pernambuco para lembrar a este senhor que Jesus morreu, conta a bíblia, aos 33 anos? Sim, por que acho que ele esqueceu disso, já que continua insistindo em viver o Cristo. Neste ano, faz 33 anos que José Pimentel está nessa. Ele não agüentou o “baque” quando foi exonerado do cargo divino em Nova Jerusalém e criou a Paixão de Cristo do Recife – que mais me parece um movimento de resistência (sem querer desmerecer).

Em tempo: Onde está a cabeça da produção do espetáculo da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém. Tantas boas atrizes e eles chamam a ninfeta pré-histórica da Suzana Vieira pra viver Maria? Estão pagando promessa ou praticando a caridade. Só pode.

Para não dar viagem perdida, levei minha câmera. Algumas amostras e um desejo de boa Páscoa a todos – no seu sentido de renovação. É sempre bom.


A pequena, que não parou um só minuto

Olinda/ Tens a paz dos mosteiros da Índia/ Tu és linda pra mim, és ainda/ Minha mulher...