quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Um dia de Caras

Fiquei perplexa hoje pela manhã quando li a manchete de primeira página do Aqui PE. Só que isso, de fato, não é novidade, então não seria um assunto forte candidato a estar aqui.

Mas aí, puxo o Diario de Pernambuco e fico ainda mais surpresa. Na primeira página, além da novidade de que processos de divórcio poderão ser feitos pela internet (quero ver impulsivos resistirem...), o Diario trazia uma foto do enterro de uma jovem de 17 anos que morreu depois de ter sido atacada por cães, no engenho onde morava com o marido, de 19 anos, e a filha, ainda bebê. Mais acima, dentro de um quadro azul, dois sorridentes arquitetos pernambucanos (excelentes profissionais, deixo claro) que vão oficializar a união de nove anos amanhã, em uma cerimônia religiosa para 800 pessoas. Leia a matéria aqui.


Vai casar? Envie seu convite para o Diario...

Fiquei procurando um motivo razoável para tal informação ocupar tanto destaque na primeira página de um jornal como o Diario. Primeiro, por que hoje em dia, assunto de primeira página ou é morte, ou é roubo político, safadeza ou desgraça grande e, dependendo da linha editorial do jornal, bizarrices (vide arquivo de primeiras páginas do Aqui PE). Outra coisa não tem espaço.

Ah, bora deixar claro que eu não concordo com isso, então fui consultar o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, da Fenaj:


Capítulo I - Do direito à informação
II - a produção e a divulgação da informação devem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse público;

Capítulo II - Da conduta profissional do jornalista
XIV - combater a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais,econômicos, políticos, religiosos, de gênero, raciais, de orientação sexual, condição física ou mental, ou de qualquer outra natureza.

Art. 7º O jornalista não pode:
V - usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime;


Em segundo lugar, qual seria a motivação para tal? Lembrando que os noivos (Turíbio e Zezinho Santos) são conhecidos por estas bandas e Zezinho faz parte de um clã bem tradicionalesco daqui.

Quem foi chegando e lendo, fazia todo tipo de comentário. Na verdade, eu não estava preocupada com a moral e os bons costumes, até por não ter nada contra casamento homossexual, mas com outros detalhes. Achei logo um preconceito dos grandes. Comentei com um:


- Você viu a capa do Diario? - perguntei.
- Vi, o que é que tem?
- O que tem casamento pra virar manchete?
- É um casamento gay, oras!
- E daí? Sabe quantos casamentos gays já aconteceram? Inúmeros... Eles são um casal gay, não um macaco fosforecente! E outra... que fizesse matéria, mas precisava estar na capa?
- Sim, mas esses caras aí são da alta sociedade.
- Sim, e daí?
- E daí que isso vende jornal!!



Certo, de fato. Mas eu continuo não concordando com isso, por um simples fato: isso acirra o preconceito! Como eu sei disso?

Bora...

Fui atrás de uma opinião de um amigo, que me pudesse transmitir os pensamentos de um gay vendo tudo isso. Olhaí o papo:

Eu: vc pode me dar uma opinião sincera sobre a primeira página do Diario de hj?
Ele: posso. bom, achei desnecessária. sem falar que o texto quer a todo custo passar a ideia de "isso é normal", mas a repórter fala tanto de normalidade que mostra que é exatamente o contrário.
Eu: eu achei um preconceito camuflado. Aliás, enfeitado com rendas maranhenses... (vide matéria)
Ele: Pois é. Leia os comentários no site do DP também... Ah, a matéria foi publicada no Correio Braziliense
Eu: Você pode me dizer o que pensa sobre isso?
Ele: Tati, a impressão é que o casal quer mostrar algo à sociedade. Desnecessário. E é como eu disse: todo mundo tenta passar que é a coisa mais natural do mundo, mas batem tanto nessa tecla e acabam mostrando que é tudo ainda tão cheio de preconceito... deles próprios.
Eu: Tem gente aqui me dizendo q tá tudo certo, pq vende...
Ele: Sim, vende, mas eu não estou falando da lógica comercial do jornalismo. É o famoso faith divers.É como se fosse um fato "extraordinário", incomum. Como aquela história do homem que morde o cão...


(e continua...)

Ele: Só um comentário engraçado: uma colega estava lendo a matéria e lá dizia que ia ser um casamento normal, como qualquer um. A dúvida é: quem estará de véu e grinalda?

Aqui, meus caros, não entra só a questão (que muitos acham piegas e desnecessária) do bom uso do jornalismo. Entra também a história da recepção da mensagem. Ou a história é bem construída, ou o tiro sai pela culatra. Se a intenção da matéria era "normalizar" a ideia do casamento gay, o tiro estourou a cara de quem a escreveu. Olhem só os comentários negativos de leitores sobre a matéria, copiados na íntegra (perdoem-me, mas eu não vou corrigir possíveis erros dos textos abaixo):

"Fico feliz em rever meu amigo turíbio depois de tantos anos,fomos colegas de sala de aula (...), mas fico triste por ele, pois o Deus que conheço e tenho intimidade está escrito no livro de 1 Coríntios 6:9 e 10 onde diz que o injusto não erdarar o reino de Deus e nem o efeminado.... pois o meu amigo turíbio deveria ler e meditar nas escrituras sagradas e sacrificar os desejos da carne para ter oportunidade de um dia morar com Deus na gloria celeste. e que Deus tenha misericórdia de sua Alma." Colega de escola de infância

A resposta:

Caro "colega" de infancia de Turíbio, pelas suas palavras tão preconceituosas e absurdas tenho certeza que não foi convidado e está com MUITA inveja...sinto muito por vc. Merece realmente ficar em casa com suas "escrituras" e com seu deus julgador. Enquanto isso nós, os convidados, iremos celebrar a União e o Amor de duas pessoas do bem e muito especiais. Será que vc entende? " Que o Seu deus julgador tenha misericórdia de sua alma"." Valéria Costa


E olha mais:

"Por conta dos convidados(as) teremos que mudar o que está nas Santas Escrituras.... O rapaz citou o que está escrito lá. Cada um faz o seu julgamento e acredita ou não. (...) Há um Deus julgador só para pessoas pedófilas e assassinas? Esse é o grande mistério... Anyway, estou me lixando pra esse "casamento". E nem quero abrir a boca pra dizer que sejam felizes, pois isso soaria falso de minha parte. Ainda pertenço ao velho tempo que união entre casal é homem/mulher. " Augusto_PE

Aí, vem quem avacalhe (ps: eu concordo com o diz Carlos Neves, no segundo comentário, abaixo):

"EU QUERO SABER QUEM VAI ENTRAR COM O VESTIDO DE NOIVA,( DEUS É AMOR ,MAS É TAMBÉM JUSTIÇA) NADA FICARÁ INPUNE AOS OLHOS DE DEUS." did

"AS BICHAS POBRES TOMEM CUIDADO, POIS A SOCIEDADE PERNAMBUCANA, SÓ ACEITA A LIBERDADE DE BICHAS RICAS, PARA AS POBRES CADEIA E BALA." Carlos Neves

"Realmente é um casamento bastante saúdavel e de alta CÚalidade." paulo silva

Perceberam agora sobre o que eu estou falando? Se por curiosidade você quiser ler todos os comentários registrados no site do Diario, pode fazê-lo aqui.

Não pense que eu estou levantando a bandeira gay, até por que nem gosto desses papos partidários. Prefiro estabelecer pra mim a regra de que cada um faz o que quer, o que achar melhor, desde que isso não interfira na vida de terceiros. Vida pessoal, entendem o eufemismo? O próprio nome já diz: eu não me meto na sua, você não se mete na minha e tá tudo certo.

Vamos mudar o ponto de exclamação dessa história. Se ao invés de Turíbio e Zezinho Santos casando-se numa cerimônia chiquérrima para 800 convidados, fosse Wallison casando com qualquer Zezinho (até com outra linhagem de Santos) no terraço cedido por um amigo, à base do churrasco de linguiça, seria o quê?

Tanto meu amigo (da conversa acima) está certo que, até quando casam-se pessoas de tão alta estirpe quanto o casal aí, o máximo que sai no jornal é foto em coluna social. E olhe lá...

E então? Foi o dia de Caras do Diario de Pernambuco. E muitas, muitas felicidades aos noivos. E que sejam realmente "abençoados", como diz o título da matéria.

5 comentários:

Juliana Notaro disse...

Eu concordo plenamente com você e com o que seu amigo disse. Eles tentam tanto passar a idéia de que isso é normal, que acaba soando falso.

Acho que era a mesma coisa com os negro. As pessoas se esforçavam tanto para dizer que não eram racistas que você percebia que aquilo tudo não era natural. Agora a "bola da vez" são os gays.

Outra coisa, nós ainda temos muito o que aprender sobre respeitar a opinião allheia. Para defenter o nosso ponto de vista nós atacam os dos outros. (É so observar os comentários sobre a matéria do DP que você postou).

A Torre Mágica | Pedro Antônio de Oliveira disse...

Ei! Eu também estou por aqui!

Excelente o blog! Muita informação interessante.

Voltarei.

Abração.

Pedro Antônio

Anônimo disse...

Olhe... eu fico sem acreditar com essa postura assumida pelos gays!! Minha gente... os gays têm que parar de justificar tudo que fazem da vida, unicamente, pelo fato de serem gays e que têm direito!!!

Isso não se discute mais!! Enquanto disserem: Somos iguais, somos iguais!! Vão levar as pessoas a não concordarem!!

É típico de quem diz: Tenho que ser o melhor no trabalho porque eu sou gay e tenho que calar a boca de todo mundo. NÃOOOOO!! Tem que ser o melhor porque vivemos em um mercado competitivo e os melhores sobrevivem e PONTO!!!
E isso vai pra família, pra faculdade, e blá blá blá!!! Então, dica para os gays de plantão: Discutam, apenas, o que merece ser discutido, ok?

Beijo, Tati!!

Paula Magalhães disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Paula Magalhães disse...

Adorei a postagem!

Fiquei pensando nos divórcios pela internet, o que segue o caminho natural das coisas, uma vez que muitas pessoas conhecem parceiros, namoram, casam-se, além de trasarem virtualmente... tudo pela internet.

Imagine você casado e... receber um e-mail da sua separação. No mínimo vai achar que seja um vírus.

Em relação ao casamento gay, concordo com as suas colocações. A matéria foi desnecessária em termos de informações, mas só fez afirmar que os próprios homossexuais são os primeiros a se olharem diferentes. Agir naturalmente é o primeiro passo...

No mais, é isso... :p

Beijos!!!